PRINCÍPIOS DA DOUTRINA DA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG) E O GOVERNO BOLSONARO

Valter de Oliveira

Como é sabido a Escola Superior de Guerra tem uma doutrina geopolítica que foi especialmente desenvolvida após 1964. Depois, com o retorno da democracia, foi renovada, mas manteve sua estrutura original. (1) Ela considera que o Estado tem objetivos nacionais permanentes e provisórios e deve se preocupar com ambos. (2) Ao mesmo tempo a doutrina ensina que todo governo, sem exceção, tem dificuldades em alcançar e mantê-los.

O governo Bolsonaro

Escola Superior de Guerra

Cito a doutrina da ESG porque, como é sabido, Bolsonaro chegou a ser capitão do Exército brasileiro. Lá esteve exatamente no momento em que tal doutrina  era ensinada e promovida, não só nos meios militares, mas também para lideranças civis de todo o Brasil. Assim sendo, ele foi suficientemente informado que, ao assumir a presidência, teria que ter uma política nacional e que, para implementá-la, teria que enfrentar e vencer uma série de obstáculos para que suas promessas e desejos viessem a ser realizados.

Em 2018 ele foi eleito. Passou a exercer o Poder Executivo Nacional.

Conforme a doutrina da ESG podemos falar em quatro tipos de poder: o político, o militar, o econômico e o psicossocial.

No que consiste o poder? Em geopolítica é dito que “é a soma dos meios e recursos de toda ordem de que dispõe o governo a fim de alcançar os objetivos da política (3)

Qual era a Política Nacional de Bolsonaro?

Podemos ter uma ideia dela com base no que estabelecia seu programa eleitoral dividindo-o em dois blocos:

Proposta político-econômica: maior liberdade econômica com diminuição do tamanho do Estado, privatizações e incentivo ao empreendedorismo; Aprovação de reformas necessárias para melhorar a eficiência do Estado  e desenvolver de modo sustentável a economia brasileira; reforma administrativa, fiscal, tributária e trabalhista. Encontrar meios para desenvolver o meio ambiente conciliando, por exemplo, interesses de moradores e indígenas da região amazônica. Outro ponto importante: melhorar a legislação para efetuar um combate mais efetivo à corrupção.

Proposta conservadora ou de costumes: Defesa dos valores nacionais e  a dos valores familiares e religiosos em consonância com o ensinamento cristão; rejeição à ideologia de gênero; defesa da vida humana desde a concepção (que implica mais do que a rejeição ao aborto): apoio aos anseios corretos de minorias e dos mais pobres, e ainda a defesa da segurança pública e do cidadão, com leis mais duras no combate ao crime e com práticas mais eficazes dos vários aparelhos do Estado.

Tarefa fácil?

Nem de longe. É complexa para qualquer governo. No caso concreto foi especialmente difícil para o governo Bolsonaro.

Os óbices que o governo enfrenta

Difícil porque, ainda conforme a doutrina da ESG, todo governante vai ter que enfrentar óbices, ou seja, ”obstáculos de todo tipo que dificultam ou impedem a consecução da Política Nacional. Pode ser um óbice natural, como a seca no sertão do Nordeste ou queimadas na Amazônia; sociocultural, como confrontos étnico-religiosos; ou ainda econômicos, que dificultam ou impedem o crescimento e o desenvolvimento econômico.

O presidente deveria estar preparado para enfrentar os seguintes óbices:

  • Ações, inércia ou contradições de um Congresso onde não tem maioria e com um número enorme de deputados e senadores investigados por corrupção. Além disso, no caso concreto, lidar com legisladores que não têm interesse em defender uma pauta conservadora ou liberal mas; pelo contrário, empenham-se em empurrar o Brasil para um caminho socializante com viés estatista e inserido na chamada “nova ordem mundial”;
  • Um STF leniente, contraditório, que adotou e defende, ferrenhamente, o chamado ativismo judicial e composto por ministros que, na sua maioria, foram nomeados pelo PT. Pior, como é atestado por muitos juristas sérios, um Supremo que tem violado muitos dispositivos constitucionais;
  • A oposição de uma esquerda biliosa e vingativa aliada a grupos   inconformados com a perda do poder. Fazem parte dela ONGs, setores artísticos, instituições e os mais diferentes tipos de movimentos sociais:
  • Crítica impiedosa da maior parte da chamada grande mídia e de boa parte do clero católico progressista;
  • A falta de unidade entre os que se elegeram à sombra de Bolsonaro;
  • Também, não se espantem, as falhas e limitações do próprio presidente.
  • Tudo isso fortemente agravado pela pandemia e pela guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O governo Bolsonaro deveria saber de todas essas dificuldades para conseguir fazer o que prometera à população. E estar preparado para imprevistos. Eles vieram, como uma avalanche. O presidente soube montar a estratégia adequada?

 Antes de responder vejamos como atua a oposição.

A estratégia dos opositores

A oposição é mestra em política. Principalmente no campo da propaganda, da comunicação.  

Desde o início do governo ela estabeleceu como estratégia continuar com suas críticas pessoais ao presidente. Foi inteligente. Sabia das fragilidades de Bolsonaro.  Considerou importante não só mostrá-las, mas aumentá-las e até deturpá-las. Despudoradamente. Mistura de política maquiavélica com “ética” revolucionária. 

Calculadamente ficou decidido que pouco ou nada se falaria das ações dos vários ministérios.  Foram muitas. Muito mais do que imaginamos. Contudo, mesmo quem é pró governo mal as conhece. Sagazmente a oposição insistiu  em afirmar que nada, praticamente nada de bom havia sido feito, A insistência nessa negativa é muito claramente vista nos discursos de Lula. Ou para Ciro que diz que processou Bolsonaro no Tribunal Internacional de Haia. Para eles e companheiros  tudo o que “o genocida” Bolsonaro conseguiu fazer foi espalhar o caos, a fome, a miséria e a morte.

A grande mídia contribuiu fortemente neste sentido. Destaca quase que exclusivamente o negativo. Os jornalistas camaradas são obcecados em apontar as falas de Bolsonaro que interessam.  “Ele tratou mal a jornalista!”; disse que a pandemia era uma “gripezinha”;  o negativista, “não quis comprar vacinas”; “não quis saber da coronavac”, etc, etc, etc.(4). Misturou-se verdades, meias-verdades e mentiras descaradas. O resultado é sabido: a grande maioria não discute o que é feito pelo governo e sim as falas do presidente. Mesmo eleitores não esquerdistas caíram na armadilha. Preocuparam-se com a parte, esqueceram-se do conjunto. Nada sabem do que foi feito pelo governo através de seus diferentes ministérios.  

Assim sendo, e levando-se em conta também as falhas reais do presidente, fica explicado porque as pesquisas apontam perda de apoio público ao governo. Se é que estão certas.  

Críticas de conservadores e liberais

Se quase nada aparece na grande mídia mostrando coisas boas do governo é compreensível ver antigos eleitores de Bolsonaro decepcionados. Em parte, têm razão. No principal não, pelo menos em minha opinião. Explico-me.

Nosso povo – a aí incluo também pessoas de bom nível intelectual – têm uma noção errada do papel e do poder de um presidente. Não têm noção clara dos óbices da política e menos ainda como esta funciona no mundo real.

Muitos pensam que o presidente eleito tem um poder enorme. É só ele assumir o cargo e começar a executar seu plano de governo. É como se ele fosse um rei sem coroa.

Os candidatos ajudam a reforçar este estereótipo. Basta ver o que promete Ciro Gomes. O homem garante que vai resolver as dívidas de milhões de brasileiros, que fará com que governadores venham correndo apoiá-lo, que diminuirá drasticamente a dívida interna, que fará a economia crescer como nunca… etc, etc. Tudo em poucos meses. Rapidinho. Em um ou dois anos o Brasil vira um Ceará…

Nessa linha maniqueísta o governo seria responsável por tudo de mau que sofremos. Governadores e prefeitos, por exemplo, nada teriam a ver com as 700 mil mortes provocadas pela pandemia. O sistema de saúde estadual e municipal eram perfeitos…

Com o passar do tempo até liberais e conservadores decidiram mostrar seu desagrado. Uns mais, outros menos.

Certos liberais afirmaram que o Executivo não se esforçou como deveria em favor das privatizações. Ou que não foi firme nas propostas das reformas administrativa, fiscal e tributária. Para ser honesto com eles, lembro que recentemente uma parcela destes começou a pontar alguns pontos bons do governo.

Conservadores afirmaram que pouco foi feito pela pauta dos costumes. Ou mesmo no combate ao crime. Certos católicos chegaram à conclusão que Bolsonaro é tão corrupto e falso quanto Lula…Assim sendo, não seria possível escolher entre Satanás e Belzebu… 

Meninos, eu li…

Parte dessas críticas foram verdadeiras. Algumas foram bem retratadas por amigos meus no FB em textos bem explicados.  Outras são absolutamente falsas e impregnadas de má fé.

A estratégia do presidente funcionou?

Agora vem a parte fundamental: o governo teve sucesso? Conseguiu colar suas realizações à imagem que se formou dele na sociedade?

Pessoalmente sabia que o Bolsonaro teria muita dificuldade em avançar com a pauta  liberal conservadora. Uma coisa foi desalojar o PT do poder o que já foi motivo de alegria e esperança.

Na parte econômica, apesar dos pesares, não há como negar o bom desempenho do governo. Melhor agora com o fim da pandemia. (5) Em outras áreas também houve melhoras.

Sucede que o grande público tem dificuldade em ver o que houve de bom.

Bolsonaro tem suas lives, seu público fiel, como ficou demonstrado na manifestação de 7 de setembro.

Os governistas afirmam que tais manifestações é que mostram a real popularidade do presidente. 

Do outro lado as pesquisas insistem em afirmar que a rejeição ao presidente é enorme. Praticamente metade do eleitorado o rejeitaria. Rejeição que teria nascido das grandes falhas do chefe de estado.  

Quem tem razão?

É o que veremos no próximo domingo.

Caso Bolsonaro seja reeleito terá alcançado outra proeza: impedir, pela segunda vez, o retorno da esquerda ao poder. Com tudo o que isso significa. Na lógica de Maquiavel ele mostrará que sabe fazer política…Bom “príncipe” é o que sabe se manter no poder…

Se for derrotado as críticas serão ainda mais contundentes.

Uma palavra final

Engana-se quem pensa que a oposição sistemática ao presidente  é ocasionada pelas falhas políticas, morais e de caráter que lhe são atribuídas. O que mais incomoda a oligarquia que está no poder é a agenda conservadora no campo moral. Agenda que não se quer discutir e que procuram empurrar a todo custo para baixo do tapete.

Se o candidato conservador fosse São Luis rei, ou S. Tomás Morus a oposição seria igualmente forte (6). Perdão. Seria maior, muito maior. 

A razão é simples: vivemos em um mundo onde os atores políticos, em grau maior ou menor, querem aprofundar o processo secularista que nos domina há séculos. Processo que, acreditem-me, quer destruir até os vestígios do cristianismo que ainda existem na sociedade.

Minha afirmação não é leviana ou gratuita. Existem muitos ideólogos que defendem isso abertamente. Basta ler o que defendem em suas obras e propostas. Aqui, nos EUA, na Europa, no mundo.

Pena que pouca gente tenha conhecimento disso.

Notas

1. “A Escola Superior de Guerra surgiu (…) em meio ao clima do pós-guerra, quando, no plano internacional, se vivia o início da chamada Guerra Fria (…). A proposta inicial vinculava-se à criação de um Instituto Permanente de Altos Estudos, com vistas à elaboração de um método que possibilitasse uma melhor racionalização da ação política em geral e da ação governamental em particular”. O objetivo não foi apenas formar os oficiais das Forças Armadas. Após 64,  diferentes lideranças civis foram convocadas para participar do curso da ESG no Rio de Janeiro. Durava por volta de um ano, com três módulos de tempo praticamente igual. Nele os alunos tinham inicialmente aulas teóricas de Política, Filosofia, Geopolítica, Economia, Direito.  Duração: 3 a 4 meses. Na segunda parte, em avião da FAB, iam visitar diversas partes do país. Finalmente, de volta ao Rio, eram divididos em grupos que deveriam escrever uma dissertação fazendo o diagnóstico de um problema nacional e sugerindo soluções. Veja o link na nota 3.

2.Ex. de Objetivo Nacional Permanente: a defesa do regime democrático e a soberania nacional. Objetivo provisório: ajuda a uma determinada região do país devido a uma determinada circunstância. Ex: atenção a estados que sofreram graveis enchentes.

3. Conceitos geopolíticos. Política é “a arte de fixar objetivos e orientar sua conquista ou manutenção”. É também considerada a arte de governar ou “a procura do possível”. Poder: é a soma dos meios e recursos de toda ordem de que dispõe o governo a fim de alcançar os objetivos da política”. Estratégia: é a arte de aplicar meios e recursos de toda ordem visando os objetivos da politíca” (link para histórico e conceito da doutrina da ESG: file:///C:/Users/user/Downloads/201-Texto%20do%20artigo-289-1-10-20170828.pdf )

4. Em que pese certas posturas do presidente o que importa, de fato, é que o governo federal providenciou as vacinas tão logo foram criadas condições para que fossem compradas. Além disso, por incrível que pareça, o Brasil foi o segundo país do mundo que mais comprou coronavac…

5. Em próximo artigo darei exemplos das coisas boas feitas pelo governo

6. S. Luis IX, rei da França, século XIII; S. Tomás Morus, chanceler da Inglaterra, decapitado pelo rei Henrique VIII, séc. XVI. Nesta linha é bom observar que, ainda Bolsonaro  tenha sido do sistema, e até se, de algum modo ainda está preso a ele, ao tentar diminuir a velocidade do processo ou retroceder, é compreensível que o nosso sistema oligárquico reaja contra ele.

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