O PROBLEMA DA DITADURA

João Camilo de Oliveira Torres (Itabira, 1915 — 1973) Escr… | Flickr
João Camilo de Oliveira Torres

Introdução da Olivereduc

Nosso objetivo hoje é discutir teoricamente a ditadura. Tema muito comentado entre nós ultimamente. Faremos uma breve apresentação para, depois, reproduzir boa parte de um artigo de importante teórico conservador brasileiro: João Camilo de Oliveira Torres.

Valter de Oliveira
Olivereduc

A maior parte da sociedade está muito descontente com nossa conjuntura política. A insatisfação é tão grande que uma minoria, descrente do sistema democrático, defende o fechamento do Congresso Nacional e a destituição dos ministros do Supremo Tribunal Federal. São pessoas que acreditam que o Brasil sairia ganhando com a implantação de uma nova ditadura. A esquerda quer que acreditemos que o número delas é grande. Não creio. Se realmente assim fosse poderíamos vislumbrar um cenário ameaçador. Seja pela tentativa de implantação de uma ditadura, seja por uma reação que levasse a uma conflagração popular.

Sabemos que a Ditadura é conhecida desde Roma. Era um governo de exceção, autorizado pelo Senado, que dava a um ditador escolhido, o poder de fugir das regras, suspendendo as leis em vigor, e tinha seis meses para restabelecer a ordem em uma determinada região. Missão cumprida ele retornava a Roma e apresentava ao Senado os resultados de seu trabalho. Naturalmente deveria ter sido bem sucedido. Feito isso voltava às suas atividades normais.

Na Idade Contemporânea surgiram outras formas de ditadura. Duverger as distingue em “conservadoras” e “revolucionárias”. Oliveira Torres, por sua vez,  diferencia as ditaduras políticas das ditaduras sociais. Vale a pena vermos sua exposição:

Distinção entre as ditaduras

“O normal é considerarmos as ditaduras como sendo meramente “políticas”, isto é, aquelas que procuram, apenas, retirar os cidadãos a participação no poder, respeitando mais ou menos os direitos civis. Naturalmente, estes direitos serão respeitados enquanto não interferirem nos interesses políticos da minoria dominante, e deixam de ser considerados se isto apraz aos dominadores.”

E ainda:

(Já) “A ditadura “social” nega a existência de uma ordem jurídica distante das determinações da vontade dos governantes. Poderá ser tolerada uma forma qualquer de propriedade da vontade dos governantes. Poderá ser tolerada uma forma qualquer de propriedade, não como direito real sobre as coisas, mas como uma liberalidade do único possuidor, isto é, o grupo dominante”.

Muito bem, fica a questão: Apesar dos riscos não é melhor apostarmos em uma ditadura para abolir a corrupção e os privilégios injustos de políticos e outros grupos sociais? Como melhorar o corpo político se ele é dominado por uma oligarquia que não se consegue arrancar do poder?

Oliveira Torres continua:

“Todas as ditaduras pretendem abolir um mal anterior. Mas, todas, afinal, se resumem num despotismo convulsivo e não chega a qualquer resultado positivo.

De todas as experiências conhecidas podemos tirar uma lei geral – um governo ditatorial não realiza os fins que tem em mira, mas se perde em suas contradições internas e na luta contra seus adversários. Poderá alguma ditadura resolver algum problema concreto, isolado, geralmente secundário, mas não chega a atingir seus objetivos. Num balanço final verificaremos que o saldo positivo de uma ditadura pode ser encontrado no ativo de qualquer governo, por pior que seja. Afinal, qualquer governo realiza muitas coisas, mesmo que seja incompetente ou corrupto, nem que seja por efeito da rotina burocrática”.

A seguir ele faz breve análise de uma ditadura política –a de Salazar- e uma “social”, a de Stalin. Mostra os horrores do governo soviético e a situação de opressão e de pobreza do povo russo, e conclui:

António de Oliveira Salazar

“(…) Enquanto isso a Inglaterra, nos anos de governo trabalhista, sem atingir a liberdade inglesa, sempre fiel ao nolimus leges angliae mutare, com o God save the queen, e todo o ritual medieval, cedeu ao operário inglês uma situação econômica muitíssimo superior à do trabalhador russo. E Salazar, pergunta Oliveira Torres, conseguiu seus objetivos? Não, responde, manteve a ordem e equilibrou as finanças mas “seu ideal, abolir a democracia liberal e a substituir por um regime corporativo que fosse permanente, ele não o conseguiu”. E continua:

“Erram, pois, igualmente aqueles que pensam que por uma ditadura podem apressar uma reforma social ou impedir uma revolução” (1).

(…)

Que fazer diante de uma situação concreta?

“Certamente, diante de uma nova situação histórica, muitas saídas há. E se surgem aspirações populares, se verificamos que existem deficiências e injustiças, importa fazer alguma coisa a fim de instaurar a justiça, objetivo permanente e supremo de qualquer regime. Que fazer diante de uma situação concreta?

Há quatro saídas clássicas: a revolução, a evolução, a reação e a contra-revolução.

A revolução conduz à ditadura, que por sua vez cria novos problemas e não realiza os objetivos em vista. A revolução, na verdade, é um processo por meio do qual impelimos que uma transformação se faça, embora se efetive uma grande destruição (2).

A reação é um processo violento pelo qual se procura impedir a transformação – acaba conduzindo a uma ditadura, que destrói os valores que os reacionários queriam preservar, não realizando as reformas dos revolucionários. (A tragédia das ditaduras reside nisto: se são reformistas, terminam impedindo as reformas; se são conservadoras, acabam destruidoras).

A evolução, da qual a economia norte americana nos dá um bom exemplo, consiste na adaptação de princípios anteriores à nova situação. Assim, no caso norte americano, em lugar da abolição do capitalismo, um modo de fazer com que todas as classes se beneficiem dos resultados obtidos pelo sistema capitalista.

Por último, a contra-revolução, que não é a destruição violenta da revolução, a reação, mas um processo pelo qual a revolução se torna inútil. Como bem disse Joseph de Maistre (3) – não é uma revolução contrária, mas o contrário de uma revolução. Se, hoje, (22 de março de 1962) na URSS houver uma revolução para implantar o capitalismo, esta não será uma contra-revolução no sentido técnico do termo, mas uma revolução anti-marxista. Uma reação. De contra-revolução social de nosso tempo temos bons exemplos nas monarquias socialistas do norte da Europa, que tornaram a revolução inútil. Fizeram o contrário de uma revolução: realizaram dentro da lei e da ordem a justiça social. (4)

Alerta final às esquerdas brasileiras

“Agora, devemos registrar, por fim, um grave erro das esquerdas brasileiras, ou daqueles eu se julgam tais: esta inconsiderada pregação de uma “revolução brasileira”, com uma possibilidade de ditadura no bojo, poderá realmente conduzir o país a uma ditadura de grupos esquerdistas, que, com o tempo, se entredevorarão – a revolução como Cronos, devora seus próprios filhos. O mais provável, porém, é o contrário: esta agitação assustar as forças conservadoras e a maioria do povo, que não deseja confusões, provocando uma ditadura da outra parte. Que não será propriamente uma rima sem solução. Pois, o que não conseguimos nos quadros democráticos (e a democracia pode ser reformada e aperfeiçoada), não conseguiremos com ditaduras. (5).

Notas:

  1. Erram mesmo? Penso que não é opinião dos defensores da chamada Revolução de 64.
  • A palavra revolução, na ciência política tem vários significados. Os militares brasileiros consideraram a destituição de Goulart como sendo “A Revolução de 1964”. Já a historiografia marxista ´considera que não houve revolução alguma. Por que? Porque conforme Marx só há revolução quando são mudadas as estruturas econômicas da sociedade. Assim, se a base econômica do Brasil foi mantida, ou seja, o capitalismo, o máximo que pode ter havido foi uma reforma para se manter a burguesia no poder. Já a Revolução Cubana seria propriamente uma revolução pois destruiu as estruturas liberais-capitalista da sociedade cubana.

A Revolução, na visão tradicionalista, é um processo histórico, cinco vezes secular, que começou a germinar no final da idade média e que, através de várias revoluções, foi descristianizando a sociedade. Na verdade tal processo teria por objetivo criar uma nova mentalidade, um novo homem, uma nova sociedade, um novo mundo, totalmente avessos aos planos de Deus na história.

  • Joseph de Maistre (1753-1821) Conde de Saboia,  foi  escritor, filósofo, diplomata e advogado. Forte crítico dos ideais da Revolução Francesa foi um dos teóricos políticos que mais influenciou o pensamento católico, contra-revolucionário ultramontano. (nome dado aos católicos franceses que eram fiéis ao Papa (que estava além dos Alpes) e que foram grandes adversários da Revolução e do liberalismo.)
  • Suponho que um contra-revolucionário tradicionalista dirá que a visão de Oliveira Torres sobre justiça social é reducionista. Estou certo? Também não sei se certos liberais concordam com ela.
  • O destaque é do site.  

Fonte: Torres, João Camilo de Oliveira – 1915-1973. O elogio do conservadorismo e outros escritos/ organização de Daniel Fernandes, edição de Jefferson Bombachim e Luiz Cesar de Araújo. – Curitiba, PR. Arcádia, 2016. “O problema da ditadura”, p.. 117, 121.

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