Star Wars: Uma Guerra nas Galáxias do nosso interior

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Pablo González Blasco
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George Lucas

Foram necessários 42 anos, com esperas atentas e expectativa criada, para contemplar o projeto que George Lucas desenhou, instalando toda uma cultura. Hoje é possível assistir os 9 episódios como se de uma série se tratasse. Mas, impõe-se uma recomendação, ou melhor, duas. Para compreender a concepção desta construção épica, vale assistir na ordem em que foram apresentadas ao longo destas quatro décadas: episódios 4-5-6 primeiro; depois 1, 2, 3; e finalmente 7, 8 e 9. A segunda recomendação, é uma advertência esclarecedora: não se trata de uma série, mas de uma cultura – uma mitologia, a definem alguns – e portanto, torna-se necessário um tempo de assentamento, de digestão dos recados. Quer dizer, o tempo natural que fisiologicamente aconteceu entre os vários filmes.

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Somente assim, com tempo para decantar, é possível criar uma cultura. Não se impõem padrões culturais em versão fast-food, ou com atalhos de aplicativos, porque mais importante do que os valores apresentados, é o tempo necessário para  assimilar cada um deles, para incorporá-los.

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Revi todos os filmes da série nas últimas férias. O desfilar das aventuras e das personagens rodearam-se de inúmeras lembranças, daquelas que cercaram no seu dia a estreia de cada um. Reli também comentários e críticas que, lá atrás, escrevi sobre algum deles. E confesso que agora a minha perspectiva engrandeceu-se: aprendi a olhar com carinho para cada uma das personagens, senti de modo mais puro a compreensão para com o erro, a admiração pela lealdade, a tristeza de quem se perde no meio das turbulências interiores. Porque essa foi para mim a grande revelação desta saga: a guerra nas estrelas, é uma guerra interior, nas luzes e sombras que todos carregamos, atrelada à nossa condição humana. Volto depois sobre o assunto, retornarei como o ex-Jedi converso!

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Contam que George Lucas contemplava desde uma lanchonete, a estreia do seu primeiro filme num dos cinemas, no ano 1977.  Um sucesso estrondoso de público. Se a história é real ou não, carece de importância. São sim reais os comentários do Diretor quando lhe perguntaram pelo impacto que o seu filme estava tendo. “As pessoas, no fundo, gostam de distinguir o bem do mal, delimitar as fronteiras, e que fique claro quem joga em cada time. É como nos filmes de aventuras onde o mocinho e o bandido estão perfeitamente definidos”. 

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Aqui lembrei de um texto que li recentemente de um comentarista italiano de cinema falando do público: “Este público não é como a crítica cinematográfica o imagina, nem como gostaria que fosse, mas sim como o descrevem os especialistas no tema: indivíduos médios, esmagados pelo trabalho diário e com vontade de evadir-se e se distrair. É lógico que este público peça, e até exija, que um filme, quando trata do bem e do mal, chegue em forma e lições claras, simples, até didáticas”.  Maniqueísmos deixados de lado, a abordagem clara do bem e do mal, é motivo do sucesso que ao longo destes 40 anos acompanha as várias entregas da história de Guerra nas Estrelas. E as reflexões, pensamentos em voz alta, prestam-se a inúmeras interpretações, mas sempre com um fundo antropológico e ético, isto é, profundamente humano. 

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Anakin Skywalker é o eleito para estabelecer o equilíbrio do universo. Ninguém sabe quem é o seu pai, e a força é poderosa nele. Os Jedis, uma versão espacial misto de Samurai com Cavaleiro Medieval que se guiam pela honra e por colocar sua vida em serviço da verdade, são os encarregados de treiná-lo. A oposição do Conselho Jedi é frontal: sim, ele é especial, mas já é muito velho, cresceu demais. E o recado educacional está lançado: é preciso chegar a tempo para treinar um Jedi, e fazer dele um líder. Um treino Jedi, sobre a pessoa errada renderá apenas a técnica do combate e os ultra poderes, mas não lhe conferirá a sabedoria para decidir, a todo momento, o que deve fazer com as suas magníficas competências. 

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A imagem é forte, e com frequência a utilizo em minhas aulas de educação médica. É preciso formar um médico desde o início, quando entra na faculdade, para que adquira a verdadeira sabedoria no cuidado do paciente. Despejar técnica e habilidades sem atender à formação integral como pessoa, é formar um Jedi que, antes ou depois, passará para o lado negro da força, para o “dark side”. Um bandido perfeitamente treinado! A metáfora serve para qualquer profissão, e para a própria vida. Técnica sem sabedoria é ciência amorfa, amputada de ideais, e converter-se-á em verdadeiro obstáculo para o progresso da pessoa e da sociedade. Formar Jedis que se tornam dissidentes não é um bom negócio.  

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Master Yoda

Como distinguir aquele que pode ser um bom Jedi? Ai está o núcleo da questão. As muitas horas de voo do Master Yoda lhe avisam que o medo é um caminho que leva para o lado escuro da força. Um medo que não é simples falta de coragem, mas uma coragem mal situada, uma confiança excessiva nas próprias forças e não na missão que lhe é confiada.  É um medo que busca a segurança, que não abre mão do próprio sucesso, que caminha de mãos dadas com a vaidade e com o orgulho. Medo de não querer ficar nunca em segundo lugar, de fazer questão de ser o melhor. Um medo que leva a querer ser original e a sentir-se exceção, diferente dos outros.

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Darth Vader / Anakin

Anakin se converte em Darth Vader, vítima do próprio medo. Não quer perder a mulher que ama, não quer perder o seu estilo, não quer deixar de ser quem ele é. É poderoso, uma Ferrari…. que anda com o breque de mão puxado, tem medo de colocar sua velocidade ao serviço da causa, e que sua figura saia prejudicada. Quer garantir a sua parte, reservar a sua glória, conquistar sua posição. Lembra a frase, contundente, de Agostinho, o filósofo que sabia sonhar e amar, quando adverte: “bene curris sed extra viam” – isto é, corres bem, mas fora do caminho. E da mesma mão, do bispo africano, nos vem a possível explicação: “Ama e faz o que quiseres” – diz Agostinho. Anakin falha no amor, porque se ama a si mesmo mais do que nada.

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Releio estas ideias que alinhavei anos atrás -talvez décadas, no vácuo da mitologia de Lucas – e me acode à mente um fenômeno que hoje é muito mais comum do que quando anotava estes pensamentos. A falta de capacidade para lidar com a frustração. As depressões e o Burnout que contemplamos diariamente no ambiente de trabalho, e com os estudantes de medicina, e a sua expressão extrema nas tentativas de suicídio, algumas infelizmente, bem sucedidas. Desafios atuais que vêm atrelados ao tema já colocado há 30 anos quando o medo do insucesso levou o Jedi a transformar-se num desertor ao serviço do Império. Um medo onde se perde o sentido da própria vida e dos talentos conferidos, que obscurece a missão de serviço, de liderar servindo.

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Este medo, que atinge com maior força os que são especiais, o contemplamos com certa frequência no nosso dia a dia. O processo de mudança surpreende-se no olhar. Anakin muda o olhar, que se torna vermelho, sombrio, embaçado, muito antes de perder o norte. O medo atinge o olhar, que é o espelho da alma, e revela a crise interior de quem foi chamado a ser líder e  fica pelo caminho. Os que tem potencial de líder e respondem com esse triste medo, trilham caminhos que são maus e levam à perdição. É o que os antigos afirmavam de modo contundente na conhecida máxima; “Corruptio optimi péssima”. A corrupção dos bons, dos eleitos, é sempre da pior espécie. 

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A fidelidade à missão é o que nos salva de nós mesmos, das veleidades próprias da nossa fraqueza. Master Yoda, idoso, limitado, caminha apoiado na bengala. Mas, na hora de enfrentar um dos Jedis corruptos – o Conde Dooku- ganha uma agilidade incrível, deixa de lado a bengala, empunha o espada Jedi e salta de um lado a outro, proporcionando golpes de mestre, encurralando o bandido. Acabada a luta, retoma a bengala para caminhar novamente. Essa é a força dos Jedis, a verdadeira liderança que lhes torna superiores: colocar-se ao serviço de uma causa que lhes ultrapassa, e faz com que superem as próprias limitações.

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Relacionar Agostinho de Hipona e os clássicos com o Master Yoda e  os Jedis pode parecer delírio ou forçar a barra. Mas o tema é vital, e nos atinge em cheio, porque a questão é simples e crucial, para cada um de nós: Como manter-se na trilha certa e evitar virar um Darth Vader?  Ninguém está livre desse processo, e um brilhante curriculum, dons recebidos, conquistas e talentos não nos tornam imunes ao processo de decomposição. O lado negro da força nos espera, diariamente, em cada esquina, e nos tenta. Tem poderosos aliados dentro de nós mesmos: a vaidade, o orgulho, a inveja, a avareza. E assim é de fato em Guerra nas Estrelas: os piores inimigos são os que vêm de dentro, os que mudaram de time, os Jedis transviados. Não cita Lucas os denominados pecados capitais e as paixões, mas são implicitamente evocados, e assim resolvemos a ponte que liga Agostinho, Platão, Aristóteles, Sócrates e Anakin. Uma ponte construída com esse material peculiar que se denomina ser humano!!

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Como permanecer um Jedi, do lado bom da força? Eis uma questão a ser colocada diariamente quando trocamos o pijama pela roupa de trabalho. Cada dia teremos a oportunidade de firmar nossos ideais, ou de sucumbir ao lado negro da força. E a melhor proteção, a garantia de manter o curso certo –a boa corrida no caminho certo, por seguir o conselho de Santo Agostinho- é pensar, refletir, reconhecer os erros, corrigir-se a cada momento: amar para valer, tirar o breque, e palmilhar o caminho da missão.  

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Talvez por isso, nesse olhar compreensivo que surpreendi em mim mesmo após 40 anos de convivência com esta mitologia, desperta com força total o pensamento que deu título ao episódio 6: O Retorno do Jedi. É ai, quando se mostra que a suposta luta entre o bem e o mal, chega ao ponto máximo quando fica claro que essa luta é no nosso interior. Todos temos a inclinação ao lado negro. O Jedi Vader redimindo-se como Anakin in articulo mortis. O desânimo vital de Luke, que desiste de treinar gente que fica pelo caminho, e supera o próprio desânimo em prol da causa. A gangorra amorosa entre Leia e Han Solo, que busca a estabilidade na recuperação do filho perdido para o mal. E o próprio Kylo Ren,  que como o seu avô, deixa-se conquistar pelo amor, para desandar o mal caminho. 

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Santo Agostinho

Ser um Jedi é, antes de mais nada, ter capacidade de recuperação, de resiliência; ter a humildade de reconhecer os erros, e buscar o caminho correto. Talvez por isso a ponte com figuras como Agostinho, Sócrates, Paulo de Tarso, e tantos outros que, de um modo ou outro, são evocados pela saga…. Ao menos  aos que inevitavelmente nos debruçamos sobre ela com um olhar filosófico. Os filósofos nos guiam nestas reflexões em voz alta, com sabor de aventura espacial. Um pensamento final, do filósofo belga Jacques Leclercq, contribui para a empreitada – difícil e necessária – de manter-se do lado bom da força até o fim, de ter orgulho de ser um Jedi, e agradecer gastando a própria vida pela missão. “Quando o homem coloca a sua meta nele mesmo, não chega longe, pois ele mesmo significa, de fato, muito pouco. A sua grandeza está em colocar a meta em algo maior do que ele, e disponibilizar toda sua potencialidade ao serviço desse ideal”.

Nota: o destaque final em negrito é do Olivereduc.com

Fonte: https://pablogonzalezblasco.com.br/2020/03/15/star-wars-uma-guerra-nas-galaxias-do-nosso-interior/

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