O ESTADO DE DIREITO E A JUSTIÇA

Valter de Oliveira

Republico hoje artigo postado em 12 de julho 2009 com pequenas modificações, especialmente nas notas. Penso ser útil para entendermos melhor questões de direito que temos discutido ultimamente

Há certos termos do Direito ou da Ciência Política que vemos com frequência nos meios de comunicação. Um deles é “Estado de Direito”. Outro é: “a sociedade civil”. O comum dos leitores não se preocupa ou não tem tempo ou interesse em entendê-los mais profundamente. É compreensível. Especialmente quem vive neste mundo atribulado. Eu, por dever de ofício, ou seja, por ser professor universitário, tive que pesquisar um pouco para entendê-los melhor.

A primeira coisa que fica clara na pesquisa, e que não é novidade, é que o “Estado de Direito” é interpretado de modo diferente por liberais, positivistas, marxistas e tomistas. Aliás, é o que acontece também com o próprio conceito de “Direito”.

No Brasil os estudiosos consideram que a ciência jurídica e o modo como nossos juízes interpretam a lei foram fortemente influenciados pelo positivismo de Augusto Comte, o que nos levou a um conceito legalista e/ou formalista da lei. Recentemente tem crescido a corrente sociológica do Direito que considera que é papel do legislador adaptar as leis aos costumes sociais. É uma interpretação mais conforme o relativismo moral. (1)

O homem comum não se preocupa com a Filosofia do Direito. A enorme maioria das pessoas não tem dela a mínima noção. Contudo o povo clama por justiça quando exige leis mais duras para criminosos; punição severa para os crimes de colarinho branco, rapidez nos processos judiciais, fim da cultura da impunidade.

Prof. Ubiratan Jorge Iorio

O brilhante artigo* do prof. Ubiratan Jorge Iorio, que colocamos neste site, critica com toda a razão a politização do Judiciário brasileiro e aponta os grandes males da Doutrina do Direito Alternativo que permite que os juízes usurpem o poder do Legislativo. E lembra com propriedade que FHC e principalmente Lula nomearam 9 juízes do STF.

Ora, nós brasileiros, quando elegemos o Presidente, nem pensamos nisso. A imensa maioria por desconhecimento; bom número porque não dá importância ao fato. Falta-nos escolaridade e cultura política. Sobra-nos também ingenuidade. Basta ver a classe média que votou no PT acreditando que o partido era comprometido com a ética!

Creio não errar se disser que o prof. Ubiratan quer para nosso país uma democracia na qual realmente prevaleça o Estado de Direito. O que pede em seu artigo? Juízes imparciais e fiéis ao princípio da legalidade, respeito ao princípio de subsidiariedade (2), independência do judiciário, etc. Tudo isso deve existir em um Estado de Direito.

Agora, sem mais delongas, vamos ver o que a respeito escreveu o insigne jurista Manoel Gonçalves Ferreira Filho: (3)

1. A finalidade do Estado e o Estado de Direito

Manoel Gonçalves Ferreira Filho

“Estrutura-se o Estado de Direito em duas bases: a legalidade e o controle judiciário.

O primeiro desses princípios significa que a atuação de toda autoridade pública deve efetivar-se de acordo com a lei, segundo as formas prescritas pela lei, dentro dos limites postos pela lei. Significa, basicamente, que a atuação do Estado deve seguir um paradigma, uma norma, geral e impessoal, como deve ser a lei, verdadeiramente.

Portanto, segundo um paradigma previsto para a generalidade dos casos, e não para um caso especial e determinado. Deve ser destinada a todas as pessoas e não sob medida para algumas, quer para beneficiá-las, quer para oprimi-las (…)”.

Confesso que se por legalidade devêssemos entender apenas o que está acima, continuaria preocupado. Para mim, leigo, faltava um critério, algo que me fizesse sentir que estou realmente protegido. E este algo encontrei na continuação do texto do ilustre jurista:

“Claro está que o Estado de Direito pressupõe que o Direito não seja definido apenas formalmente, não seja aquilo que o poder quis e, querendo – denominou de lei. A concepção puramente positiva do Direito – o jus quia jussum, a identificação do Direito com a vontade do Estado, independentemente de seu conteúdo justo ou injusto – renega o Estado de Direito. Esvazia-o, reduzindo-o a nada. De fato, nada significa subordinar o Estado à lei, se a lei é tudo o que o Estado quer.” (4)

“O Estado de Direito pressupõe que a lei e, portanto, o Direito, seja apenas a norma que vise à Justiça, a norma que, direta ou indiretamente, incorpore um conteúdo de Justiça. Deflui, pois, da filosofia jusnaturalista, concepção segundo a qual há um Direito anterior e superior ao direito positivo de cada Estado, direito esse que serve da medida da justiça e da injustiça desse direito positivo, de seu valor e da sua disvalia.”

“Assim sendo, o Estado de Direito é o Estado de Justiça. Não se pode distinguir um do outro. O Estado de Direito é Estado de Justiça porque, na concepção que o inspira e vivifica, só é direito aquilo que é justo. “

Aqui há vários pontos que merecem consideração:

1.1. “Claro está que o Estado de Direito pressupõe que o Direito não seja definido apenas formalmente, não seja aquilo que o poder quis e, querendo – denominou de lei.”

Tenho lido muita gente defendendo o império da lei mas não conforme o texto acima. A lei é aplicada de modo legalista, baseando-se apenas no que está escrito. Aplica-se a lei sem preocupação com a justiça como exige o ponto 2 abaixo.

1.2. “O Estado de Direito pressupõe que a lei e, portanto, o Direito, seja apenas a norma que vise à Justiça, a norma que, direta ou indiretamente, incorpore um conteúdo de Justiça.”

3. O juiz e o cidadão diante da lei injusta

Aqui as coisas ficam mais complicadas. O que deve fazer o juiz diante da lei manifestamente injusta?

O prof. Ubiratan nos dá uma resposta:

“De fato, como nem todas as leis são justas, a lei não esgota o Direito, mas isso não é argumento para que juízes devam postar-se acima delas, por mais nobres que sejam as suas intenções. Tal silogismo é um embuste ideológico disfarçado.”

Mais adiante:

“É preocupante quando uma doutrina sustenta que um juiz está acima da lei,

E ele completa:

O juiz não pode substituir o legislador.(…), porque se uma determinada lei é “injusta”, o correto é que o Legislativo a revogue e não que o juiz a modifique de acordo com o que pensa com os seus botões.”

Muito bem, eu e o prof. concordamos neste ponto na crítica ao chamado Direito Alternativo. Mas, e se o juiz não aplicar a lei afirmando que ela viola o direito natural? Vejamos ainda uma vez o que ensina o texto de Manoel Gonçalves:

“Há um Direito anterior e superior ao direito positivo de cada Estado, direito esse que serve da medida da justiça e da injustiça desse direito positivo, de seu valor e da sua desvalia.”

Caso um juiz decida desafiar a lei – em nome do Direito Natural – é necessário que haja o respaldo da Constituição? Ou seja, que explicitamente aceite o direito natural?

Se um juiz deve aplicar a lei, independentemente de seu conteúdo justo ou injusto, os juízes e promotores fiéis às leis nazistas de Nuremberg estavam moral e juridicamente corretos?

Esqueçamos os governos totalitários. Atenhamo-nos aos que se dizem democráticos e façamos algumas perguntas:

O que deve fazer um juiz americano se Obama aprovar as leis que proíbem a objeção de consciência para médicos e profissionais da área de saúde? Pode aplicar a pena de prisão ao médico que se recusar a fazer um aborto? Será correto alegar que não foi ele quem fez a lei e, portanto, não pode ser responsabilizado pela aplicação da pena?

Aqui deixo de lado o final do artigo original para tratarmos de questões atuais. (5)

  1. O que fazer quando membros do STF – ou o plenário – violam o Estado de Direito?
  2. Sabemos que, conforme a Constituição, cabe ao Senado julgar a questão. Senadores podem  pedir o impeachment de um ministro da Corte. E se, por várias razões, o Senado não cumprir sua obrigação? A sociedade deve ficar refém? Nada foi previsto para que a democracia seja preservada de eventual desmandos e ditadura do Judiciário?

Creio que essas questões estão na cabeça de todo brasileiro que consegue ter uma noção da gravidade de nosso momento político.

Não sendo da nobre área do Direito termino apelando para os leitores, advogados, juristas e outros estudiosos que nos escrevam sobre o assunto. E peço-lhes que nos ajudem a encontrar saídas democráticas e justas para nosso povo e nosso querido Brasil.

Notas:

(*) Artigo do prof. Ubiratan Jorge Iorio publicado neste site http://www.olivereduc.com/direito/in-dubio-pro-marx/

(1) Por exemplo, a aprovação de novas formas de família, incluindo o chamado poliamor  ou o uso de drogas vão ficando comuns na sociedade. Isso bastaria para deixarem de ser considerados  atos imorais ou até criminosos (como no caso do incesto). Mais ainda, deveriam ser considerados novos direitos.

(2) Princípio da Doutrina Social da Igreja que afirma que o superior não deve fazer pelo inferior o que este pode fazer sozinho. Seria maravilhoso, por exemplo, que o MEC o respeitasse não proibindo, entre outras coisas, o homeschooling. E que nós brasileiros não ficássemos, docilmente, aceitando como ordens o que são apenas indicações.

(3) Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. A democracia Possível. SP. Editora Saraiva, p.32-34

(4) Não é o que está acontecendo em nossos dias?

(5). As notas aqui sofreram algumas modificações em relação ao artigo original para atualizá-las.

Fonte:

http://olivereduc.blogspot.com/search/label/Valter%20de%20Oliveira?updated-max=2009-11-09T13:24:00-02:00&max-results=20&start=18&by-date=false

Tags , , .Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Os comentários estão desativados.