ESTADO DE DIREITO E JUSTIÇA

André Gonçalves Fernandes

07/09/2012 

Muito se fala de estado de direito. Na mídia, nos livros de direito, nos editoriais dos jornais e das revistas. Mas o estado de direito é sinônimo de um estado de legalidade ou de um estado de justiça?

          Desde que surgiu a idéia moderna de estado, o direito assumiu a condição de medida do poder. Mas o que é o direito? Resume-se às leis, decretos, resoluções e portarias? Creio que não. Posso afirmar que essa parafernália legislativa, embora tenha sua razão, na prática, serve mais para encher nossa paciência como cidadão e, de certa forma, esvaziar o significado originário do direito.

O direito é aquilo que, por justiça, é devido ao outro. É uma definição cheia de sentido, mas que não fica só nisso. Precisa, por meio das leis, determinar o justo caso a caso. Essa determinação do justo concreto deve ser feita segundo a natureza do caso concreto, o que se dá por uma lei não escrita, chamada lei natural.

Quando um casal resolve gerar um filho, a natureza própria dessa relação cria uma série de obrigações naturais para aqueles pais. O dever de sustento alimentar, de educação formal e moral, enfim, uma série de responsabilidades que decorrem da natureza daquele fato e que a lei escrita não precisaria dizer, mas acaba por fazê-lo para reforçar aquilo que a lei natural já apontou como o justo no caso de um vínculo familiar. Tanto que repugna à consciência de qualquer um o abandono material ou afetivo de uma criança.

Assim, nem todas as leis estão escritas num pesado volume de folhas amareladas, nem se expressam sempre em artigos de códigos. Arrisco a dizer que a lei que utilizamos com mais freqüência é, justamente, a lei natural, que está chamada a inspirar todas as demais leis. E, por ser a mais usada, torna-se, logo, a mais democrática de todas as leis.

A lei natural é um conjunto mental formado a partir de umas intuições morais básicas, a partir das quais vamos sacando conclusões para a vida em sociedade. Às vezes, tiramos conclusões acertadas e, outras vezes, nem tanto. Mas isso não converte a lei natural num assunto meramente subjetivo, precisamente porque ela é composta por princípios comuns a todos, muito além das diferenças que percebemos entre uns e outros.

Na história, a humanidade sempre indicou umas razões relevantes para a ética e para o direito, ainda que expressadas por diversas maneiras. Hoje, por exemplo, reflete-se na linguagem dos direitos humanos que, para muitos países islâmicos, seria um mero produto ocidental.

Ainda que a certidão de nascimento dos direitos humanos seja ocidental, seus conteúdos reportam-se a valores universais, mesmo que, muitas vezes, historicamente, boa parte deles tenha sido desrespeitada. De seu reconhecimento depende o respeito à dignidade da pessoa humana na prática e, daquela universalidade e desse respeito, a lei natural também nos fala, com a diferença de que é a teoria ética mais adotada para se expressar a existência de uns princípios morais universais.

Além das controvérsias acadêmicas, a referência tanto à lei natural, como aos direitos humanos, decorre de uma ideia fundamental: há uns critérios morais básicos que precedem nossos acordos e convenções e que são anteriores às nossas diferenças de credo, cultura, nação ou de política e aos nossos contratos sociais.

Essa precedência faz com que a lei natural tenha uma vigência que não dependa de uma autoridade estatal. Podemos dizer que, assim como cada um de nós carrega um código genético, também levamos uma lei natural inscrita em nossa razão, pelo simples fato de sermos humanos.

Em razão disso, só pode haver um verdadeiro estado de direito quando se respeita a lei natural, essa lei que se situa numa ordem superior à vontade dos detentores do poder e dos legisladores. Então, o estado de direito, na plenitude de seu significado, será um estado de justiça. E, superando a ideia de um estado de pura legalidade, o estado de direito, visto como um estado de justiça, deixa de servir de instrumento para a prepotência e a arbitrariedade. Com respeito à divergência, é o que penso.

André Gonçalves Fernandes é juiz de direito e professor do CEU-IICS Escola de Direito ( [email protected])

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