DOM CRISTIANO E BENTO XVI

 

 



 

 

Valter de Oliveira

04/09/2010

 O artigo de D. Cristiano que publicamos hoje no site pode causar estranheza a quem não está familiarizado com a doutrina da Igreja. Com efeito, há quem pense que uma tomada de posição da CNBB deveria ser seguida por todos os fiéis católicos. É um grave engano apontado claramente pelo bispo de Jequié: “Precisamos cuidar da unidade na fé. Em questões de política econômica, não cabe à CNBB impor seus pontos de vista a ninguém. As opiniões de cada bispo valem de acordo com o peso dos seus conhecimentos manifestados nos seus argumentos. Viva a liberdade!’


A autonomia e responsabilidade dos bispos faz parte da doutrina cristã. Eles são“sucessores dos Apóstolos”, detêm a plenitude do sacerdócio, (…) “gozam de autoridade própria, ordinária, imediata sobre a Igreja que lhes foi confiada”, da qual são “princípio e fundamento da unidade”


As palavras acimas são de nosso atual Papa quando era ainda cardeal, em livro entrevista ao escritor e jornalista Vittorio Messori (1).Em páginas ricas de ensinamento o cardeal recorda o papel dos bispos afirmando que o Concílio “queria justamente reforçar a função e a responsabilidade do bispo, retomando e completando a obra do Vaticano II”.


Foi o que aconteceu? Infelizmente não. Entre outros problemas surgidos após o Concílio tivemos uma má compreensão do papel das Conferência Episcopais.

Problema? O que houve? O cardeal Ratzinger explica:

“A decidida retomada do papel do bispo, na realidade, enfraqueceu-se um pouco, ou corre até mesmo o risco de ser sufocada pela intercessão dos prelados em conferências episcopais sempre mais organizadas, com estruturas burocráticas freqüentemente pesadas. No entanto, não devemos esquecer que (elas) não possuem uma base teológica, não fazem parte da estrutura indispensável da Igreja, assim como querida por Cristo: têm somente uma função prática, concreta”. Mais adiante comenta a propósito do valor docente dos documentos das Conferências:

“O coletivo, portanto, não substitui a pessoa do bispo” (…). Nenhuma Conferência Episcopal tem, enquanto tal, uma missão de ensino: seus documentos não têm valor específico, mas o valor do consenso que lhes é atribuído pelos bispos individualmente”


A seguir adverte sobre o risco que há em “certa diminuição do sentido de responsabilidade individual em alguns bispos que, ao ceder seus poderes inalienáveis de pastor e mestre às estruturas da Conferência local correm o risco de fazer cair no anonimato aquilo que deveria, ao contrário, permanecer muito pessoal”. E continua: “Acontece, além disso, que a busca de um ponto comum entre as várias tendências e o esforço de mediação dão lugar, muitas vezes, a documentos nivelados por baixo, em que as posições precisas são atenuadas”.


O cardeal Ratzinger ilustra claramente este problema ao tratar da Conferência Episcopal alemã já nos anos 30: “Pois bem, os textos realmente vigorosos contra o nazismo foram os que vieram individualmente de prelados corajosos. Os da Conferência, no entanto, pareciam um tanto abrandados, fracos demais com relação ao que a tragédia exigia”.

Muitas vezes se apela para o espírito de grupo em nome de um princípio de colegiado mal entendido. As palavras do cardeal sobre este ponto também são cristalinas: “… em muitas Conferências Episcopais, o espírito de grupo, talvez a vontade de viver tranquilamente ou até mesmo o conformismo acabam por levar a maioria a aceitar as posições de minorias ativas, determinadas a fazer caminhar rumo a direções bem precisas”.


Continua: “Conheço bispos que, em particular, confessam que teriam decidido de maneira diferente do que fizeram na Conferência, se tivessem podido decidir sozinhos. Aceitando a lei do grupo evitaram a fadiga de passarem por “desmancha prazeres”, “retrógrados” ou          “pouco abertos”. Parece muito belo decidir sempre “juntos”. Mas desse modo se arrisca a perder o “escândalo” e a “loucura” do Evangelho, aquele “sal” e aquele “fermento” hoje mais do que nunca indispensáveis para um cristão, sobretudo se bispo, investido, portanto, de responsabilidades precisas para com os fiéis, diante da gravidade da crise” (2)


Aí estão, caros amigos, as palavras do Papa que mostram que D. Cristiano tem todo o direito de discordar da tomada de posição da CNBB em apoiar  um plebiscito que limita a propriedade rural. Ele simplesmente corajosamente decidiu ser o “sal da terra” mencionado pelo então cardeal Ratzinger.

Aproveitamos para parabenizar também outros prelados que têm se destacado ultimamente na luta pela cultura da vida. É o caso dos 67 bispos que assinaram o documento sobre o III PNDH de 28 de Janeiro de 2010 e os que se pronunciaram pela Regional Sul da CNBB. Depois, os que tomaram posição também individualmente tais como o bispo de Guarulhos, Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, Dom Miguel Ângelo Freitas Ribeiro, Bispo de Oliveira e D. Manoel Pestana Filho, Bispo emérito de Anápolis, GO. Todos se opõem fortemente a iniciativas abstrusas do governo Lula. E convidam seus fiéis a resistirem às graves ameaças à pessoa humana, à democracia e ao verdadeiro estado de direito.

Muito grato Excelências. Mais do que nunca precisamos de bons pastores. Que a Virgem lhes conceda muitíssimas graças.

Notas:

1. RATZINGER, Joseph. A fé em crise?: o Cardeal Ratzinger se interroga. São Paulo,: EPU. 1985.

2. (citações, op.cit. p. 40-43).

3.  uma observação concreta para o ponto levantado por D. Cristiano em relação à questão do tamanho máximo dos latifúndios. Não cabe à Igreja entrar em pormenores técnicos sobre a aplicação dos princípios da doutrina social da Igreja. Isso é tarefa dos leigos que devem ter o bom senso de não servir de massa de manobra de ideologias…

É só conferir o caderno sobre Temas da Doutrina Social da Igreja, caderno II, publicado pela CNBB: “A Igreja trata dessas questões (questões políticas e sócio-econômicas) sob o ponto de vista etico-moral, não do ponto de vista técnico e ideológico” (p. 13). (destaque nosso)

Tamanho de propriedade rural não é questão técnica?

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