ALLENDE E A VIA CHILENA PARA O SOCIALISMO

Valter de Oliveira

Setembro de 1973. Estava morando em Salvador, na Bahia. Foi lá que, no dia 11, ouvi a notícia que Salvador Allende, presidente do Chile, tinha sido deposto por um golpe militar.

No FB, antigo colega meu de Faculdade, lembrou a data e lamentou o ocorrido. Afinal, era o fim da “via chilena para o socialismo”, o fim de algo inédito, a derrubada de um governante pró socialismo que fora democraticamente eleito.

Salvador Allende

Passados mais de 50 anos tentei relembrar a aventura de Allende. Lembrei do geral, esqueci-me do particular. Nenhuma novidade. Minha memória que nunca foi muito boa está cada vez mais fraca. Alguns maldosos dizem que é a idade…

Decidi fazer uma breve pesquisa. Lancei mão de dois livros que tenho sobre a história do Chile e procurei, depois, algumas informações adicionais na internet.

Comecemos vendo como foi sua eleição.

Em dezembro de 1969 foi formada a denominada Unidade Popular, (UP) que “surgiu de uma aliança entre o Partido Comunista, o Partido Socialista, dissidentes da Democracia Cristã (DC), o Partido Radical, o Partido de Esquerda Radical, a Ação Popular Independente e o Movimento de Ação Popular Unitária (MAPU), que propiciou a adesão de amplos setores populares e progressistas”.

Em 4 de novembro de 1970 Allende e a UP foram vitoriosos. Derrotaram Jorge Allessandri, do Partido Nacional, e Ramiro Tomic, da Democracia Cristã.  “Apesar da vitória, a UP conquistou apenas 34% dos votos e uma pequena diferença de 30 mil votos em relação ao segundo colocado, indicando futuros problemas para governar” (1).

Pelo sistema Chileno o Congresso poderia, por via indireta, declarar o segundo colocado vencedor. Não acharam prudente. Allende foi confirmado com grande número de votos dos parlamentares. Ia começar a via chilena para o socialismo.

Em minha memória ele teria sido um candidato com proposta socialdemocrata que foi radicalizando seu programa gradualmente. Não foi assim. Ele era claramente socialista e queria implantar tal sistema. Isso ficou claro para o eleitor? Não sei. Desconfio que não.

O programa foi elaborado com a participação de todos os partidos que formaram a Unidade Popular (UP). Visava à transição ao socialismo, respeitando-se os marcos institucionais existentes (pelo menos é o que prometiam) e “por meio da própria estrutura capitalista subdesenvolvida. (…) Nessa estratégia, o socialismo seria a decorrência da ampliação das liberdades políticas da democracia liberal “enquanto a ação estatal nacionalizaria as empresas monopolistas, criando um núcleo socializado na economia. Assim, as políticas aplicadas teriam um conteúdo antioligárquico, antimonopolista e anti-imperialista, que garantiria a emancipação popular, a autodeterminação e a soberania do povo chileno” (2)

Em suma, com o objetivo de superar gradualmente a sociedade capitalista, a UP considerava necessária uma nova economia social. Como?

  1.  “Com a nacionalização das riquezas básicas: sistema bancário, seguros, comércio exterior, grandes empresas e monopólios de distribuição, fim dos monopólios industriais estratégicos (…) que condicionam o desenvolvimento econômico e social do país: energia elétrica, transportes, comunicações, petróleo e gás liquefeito, cimento, petro química, química pesada e celulose” (3)

Pelo que li Allende e a UP garantiam que os pequenos acionistas não sofreriam perdas….

Em princípio ainda se manteria a propriedade privada de empresas menores. “Existiria também uma área mista com empresas de capital misto”.

Iniciado o governo as reformas foram sendo implantadas. O gradual, parece-me, foi afoitamente acelerado. Nem sempre, afirma a oposição, respeitando a lei. Os erros contribuíram para provocar instabilidade na economia e na vida política. Poderia ser de outro modo?

  • Um ponto que merece ser comentado é o projeto da UP para os meios de comunicação. Cita o historiador Concha Cruz o pensamento dos socialistas: “O rádio, a televisão, a imprensa, o cinema, as editoras, são fundamentais para a formação de uma nova cultura e de um homem novo. Eles sofrerão uma ação educativa, liberando-os de seu caráter comercial, adotando as medidas para que as organizações sociais disponham destes meios, eliminando deles a presença nefasta dos monopólios. Haverá uma preocupação especial pela indústria cinematográfica”. (4)

Deixo claro que se eu fosse chileno, e lá vivesse nos anos do governo Allende, não acreditaria na promessa de um socialismo com liberdade. Nem lá e nem em qualquer lugar do mundo. Primeiro porque, mesmo jovem, já conhecia marxismo, a história do socialismo e suas táticas para alcançar e se manter no poder. Segundo porque, imaginar que seja possível implantar um socialismo sem violar direitos individuais e naturais é simplesmente impossível.

Concretamente havia mais um problema complexo. Ainda vivíamos o clima de guerra fria e Allende era apoiado por uma esquerda mais radical que ainda acreditava que o melhor caminho para o socialismo era a luta armada e a tomada do poder. É o caso do MIR (movimento da esquerda revolucionária). Bem verdade que esse grupo radical, pouco antes das eleições de 70 ”tomou uma atitude ponderada a fim de não alarmar os elementos mais moderados da candidatura de Allende”(5) . Depois, durante o governo, criou problemas.

Tem mais. Eu ficaria preocupadíssimo com um governo que diz querer manter e aprofundar a democracia e tem uma política externa muito amigável com países praticantes da ditadura do proletariado, Allende reconheceu até o “governo provisório da república do Vietnã do Sul”. A China, na época, estava ainda sob o domínio das loucuras de Mao Tsé Tung e a Albânia era o único país, oficialmente, ateu do mundo. Sabemos que socialistas gostam de se dizer solidários com governos revolucionários, ainda que radicais. Lembremos também que grande parte da esquerda da época ainda reverenciava e amava ditadores totalitários genocidas. Não era costume afirmar que o socialismo existente era uma corrupção das ideias de Marx.  

Allende e Fidel

Em novembro de 1971 Fidel Castro visitou o Chile. A visita durou um mês!  Aproveitou para percorrer o país de norte a sul. O MIR o procurou. Queria que o ditador cubano se dissesse favorável à tomada do poder. “Poder total”, mediante uma revolução violenta”. Não conseguiu. Fidel não era bobo. De qualquer modo incentivou que milhares de cubanos tivessem forte papel de ativistas na sociedade chilena.

Em três anos a polarização cresceu. Os erros do governo aumentaram e Allende sofreu o tipo de oposição próprio da guerra fria. Tudo contribuiu para que a via chilena para o socialismo terminasse tragicamente.

Notas e fontes

  1. Texto de Rodrigo Nobile,  http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/u/unidade-popular

2. “O programa foi oficialmente elaborado por Orlando Millas e José Cademártori, do Partido Comunista; Clodomiro Almeyda e Jaime Suárez, do Partido Socialista, Alberto Baltra, do Partido Radical; Jacques Chonchol e Rafael Agustin Gumucio, do MAPU. Fonte: Concha Cruz, Alejandro; Maltés Cortés, Juilo;  Historia de Chile, Vigésima segunda edición, Bibliográfica Internacional, Santiago, Chile, 2008, p. 610.

  •  Concha Cruz, Historia de Chile, p. 611
  •  Concha Cruz, Historia de Chile,  p. 613.

Uma curiosidade: nome completo de Allende:

Salvador Isabelino del Sagrado Corazón de Jesús Allende Gossens…


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