A GUERRA CIVIL ESPANHOLA: A tragédia não contada

Valter de Oliveira

“Não ensinar senão os fatos favoráveis à sua doutrina”  (Olivier Reboul)

“É vital o historiador lutar contra a mentira. O historiador não pode inventar nada e sim revelar o passado que controla o presente às ocultas” (Eric Hobsbawm)

Olivier Reboul

Em artigo anterior vimos que livros didáticos do Ensino Médio explicam de modo parcial o que aconteceu na Espanha no início dos anos 30. Em vários pontos omitem o que não deveria ser omitido. Resultado: em pontos importantes o aluno passa a ter uma visão distorcida da história. E isso, conforme Olivier Reboul, é um caso de doutrinação. (1)

Uma coisa é se afirmar que a Constituição espanhola estabeleceu a separação entre a Igreja e o Estado; outra é não relatar que as medidas contra a Igreja foram extremamente severas. Não se entra em nenhum detalhe. Não se diz que, conforme as novas leis, o culto público da Igreja dependeria de autorização do Estado nem que se tirava dela o direito de ensinar… Nem que uma das leis decretava a dissolução da Companhia de Jesus em toda a Espanha! Tampouco que professores receberam ordem de retirada das escolas de todos os sinais religiosos! Foram todas medidas do novo governo republicano “democrático” que provocaram a irritação dos católicos. Há quem diga que as lideranças tentaram conter os ânimos dos radicais mas, na prática, fizeram vistas grossas para todo tipo de violência. (2) Isso 4 anos antes do início da Guerra Civil!…

Das leis brutais à violência iconoclasta

Com efeito, comunistas e anarquistas, sentindo-se seguros com a nova “ordem” não tardaram em praticar atos terroristas que lançaram o medo sobre a opinião pública, incluindo a que demonstrara simpatia pelo novo regime.  Multiplicaram-se assassinatos políticos, e desencadeou-se uma “campanha de perseguição religiosa que, em volume e crueldade, deixou esquecida as anteriores. De 16 de fevereiro a 13 de maio foram totalmente arrasadas e queimadas mais de cem igrejas!

Tais medidas eram totalmente coerentes com declarações de Largo Caballero, famoso líder da esquerda que gritava: “Nós não deixaremos pedra sobre pedra desta Espanha, que devemos destruir para fazer a nossa”.

Já a deputada comunista Margarida Nekken declarava: “Nós queremos uma revolução, mas não é a revolução russa que pode servir-nos de modelo, porque nos fazem falta chamas gigantescas que possam ser vistas de todo o orbe e ondas de sangue que enrubesçam os mares” (3)

O resultado da pregação de tanto ódio e de tantas práticas criminosas não citadas em livros didáticos foi duplo:

1. Criou poderosa reação que levou toda a oposição a apoiar a sublevação de Franco.

2. Provocou, na visão de vários historiadores, a mais brutal perseguição contra a Igreja. Diz Antonio Montero:  “em toda a história da Igreja universal não há um único precedente, nem sequer nas perseguições romanas, do sacrifício sangrento, em pouco mais de um semestre, de doze bispos, quatro mil sacerdotes e mais de dois mil religiosos”. (4)

Tal horror foi assim descrito pelo historiador francês Daniel-Rops:

Daniel Rops

“O que foi a cadeia de horrores que a “Guerra de Espanha” provocou é coisa que se torna difícil escrever. Forçados à alternativa que mostramos, os católicos viram-se vítimas, nas províncias dominadas pelas tropas republicanas, de uma perseguição tão cruel e abjeta que igualou e por vezes ultrapassou os piores episódios do Terror na França. Incêndios e saques de edifícios religiosos (…) chacinas de padres, de religiosos, de religiosas – esse lúgubre cortejo das manifestações do anticlericalismo nada foi, ainda, ao lado do que se pôde ver em diversos pontos da Espanha: padres pendurados nos ganchos dos açougues, cadáveres de religiosas desenterrados e entregues a toda a espécie de profanações. A mais modesta das estatísticas daria, como número dos sacerdotes e religiosos mortos, 7.534. Mas, outras indicaram 16.750, entre eles doze bispos. (5)

Talvez não tenha passado pela cabeça dos autores consultarem um livro sobre a História da Igreja, como o de Rops, altamente conceituado. Por quê? Não sei. Só deixo registrado.

Eric Hobsbawn

Por outro lado suponho que todos leiam Hobsbawm, famoso historiador marxista, o mais lido do século XX, e que faz parte da bibliografia básica de qualquer curso de História.  É verdade que o historiador inglês é bem mais matizado que nossos livros didáticos. Contudo, também ele não gosta muito de mostrar as mazelas do chamado socialismo real. Encontra desculpas até para Stalin e nada, absolutamente nada, fala sobre o holocausto ucraniano provocado pelo famigerado líder soviético. Mesmo assim, reparem, até nele encontramos algumas coisas que poderiam, pelo menos, convidar professores e outros historiadores a dar uma visão mais completa do que foi a guerra civil na Espanha:

“(…) a rebelião dos generais espanhóis contra o governo da Frente Popular (…) desencadeou de imediato a revolução em várias regiões da Espanha (…). O acontecimento também desencadeou a maior de todas as ondas de iconoclastia e homicídio anticlerical, pois essa forma de atividade se tornara pela primeira vez parte das agitações em 1835(??- 7), quando os cidadãos de Barcelona reagiram a uma tourada insatisfatória incendiando vários conventos. Cerca de 7 mil pessoas do clero – isto é, 12% a 13% dos padres e monges do país, embora apenas uma proporção insignificante de freiras (6) foram mortas, enquanto numa única diocese da Catalunha (Gerona) mais de 6 mil imagens foram destruídas “(Thomas, 1977, pp.270-1; M. Delgado, 1992, p. 56). (7)

O mínimo que se pede de quem escreve um livro didático é que leia a bibliografia que indica. E Hobsbawm é efetivamente indicado por todos os autores recentes. Com todo respeito aos colegas digo que seria muito bom que deixassem de omitir informações que mostram os crimes cometidos pela esquerda espanhola nos anos 30. Também em muitos outros lugares em todo o “breve século XX”.  Afinal, os alunos, e todos nós, temos direito a uma história completa.

Ou tudo isso é insignificante?

Notas e fontes:

  1. Reboul, Olivier. A doutrinação. São Paulo, Cia Edit. Nacional/Edusp, 1980, 7º ponto da doutrinação.p. 8. Outros exemplos de doutrinação: 6º: ensinar com base em uma doutrina como se fosse a única possível;  7º: ensinar como científico aquilo que não o é: 9º Falsificar os fatos para apoiar a doutrina, etc.
  2. Para não alongar o artigo deixo de analisar as duras medidas das leis de  reforma agrária contra a propriedade privada que incluíam até estatização . Aí se explica a  oposição dos proprietários

3. Citado em  https://permanencia.org.br/drupal/node/370

4. Montero, Antonio. Historia de la persecución religiosa em España. (BAC, 104, 1982, pp. XIII-XIV). Outro autor, Hugh Thomas disse que “nunca se viu na Europa e no mundo um ódio tão apaixonado contra a religião. Hugh Thomas, em A Guerra Civil Espanhola (Ed. Civilização Brasileira, 2 vol. 1964)

5. Historia da Igreja de Daniel-Rops.  Vol.IX. A Igreja das Revoluções. II. Um Combate por Deus. São Paulo, Quadrante, 2006. p. 441.

6. 248 freiras assassinadas… Fora inúmeros cadáveres violados. Insignificante, não é mesmo? Se elas se chamassem Marielle…

7. Hobsbawm, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX. 1914-1991. São Paulo, Cia das Letras, 1995, pp. 82, 83. Destaques em negrito são meus. Coloquei as exclamações porque talvez tenha havido erro de digitação e o episódio tenha ocorrido, como parece mais plausível, em 1935.

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