EU? FAZER O QUE EM BRASÍLIA?

 Ubiratan Jorge Iorio 

 05/01/2013

“Quid Romae faciam? Mentiri nescio”.

(Que hei de fazer em Roma? Não sei mentir – Decimus Junius Juvenalis – 55 DC/138 DC)

Se um técnico de futebol mandasse seu time, antes de um jogo, vencer por 2 x 1, pois este seria o resultado “justo” e se o presidente do clube o desautorizasse, dizendo que o placar “correto” deveria ser 3 x 0, qualquer pessoa de bom senso os taxaria de malucos ou de incompetentes, pois, como a partida ainda iria ser disputada, não faria sentido predefinir-se qualquer resultado. Eleger um placar ad hoc antes do jogo ou afirmar que um salário – ou qualquer outro preço previamente determinado em gabinetes – é “justo” ou “injusto”, são atitudes que denotam desconhecimento, no primeiro caso, de que o futebol é um jogo dinâmico e, no segundo, de que a economia do mundo real se comporta da mesma forma!

Pois bem, poucos se dão conta de que todos os anos essa história se repete, não no terreno agradável do esporte, mas nos campos áridos e esburacados da economia e da política. Refiro-me às discussões sobre salário mínimo. A deste ano está apenas começando: o orçamento do governo prevê um salário mínimo de R$ 670,96 para 2013, o relatório do Congresso aumentou em R$ 4,00 esse valor, para R$ 674,96 (como são bondosos esses nossos congressistas!) e com isso o governo chantageia os ilustres e probos representantes do povo, ameaçando que a Previdência terá gastos extras de R$ 1,3 bi. Impressionam nisto: (a) a hot demagogy, ou pornodemagogia explícita e em horário nobre; (b) a ignorância absoluta em matéria de economia; (c) a “precisão” milimétrica dos cálculos dos ditos “especialistas”: 674 reais e noventa e seis centavos! Ora, por que não 95 centavos, ou 99, ou 2, ou 43? E por que 674 reais, e não 600,00, ou 2.308,00, ou 20,33, ou… Cacete, vão ser precisos, inaptos e ineptos assim no raio que os parta!

O conceito de salário mínimo é uma aberração e remonta a uma época em que se acreditava que o mundo estava dividido em duas enormes facções inimigas figadais: patrões, sempre exploradores, e operários, eternamente explorados. Mas a economia é um jogo dinâmico e cooperativo, em que milhões de decisões (vender, comprar, emprestar, poupar, pagar impostos, trabalhar, etc.) são tomadas ao longo do tempo e em condições de incerteza genuína, não probabilística, um jogo que está sendo permanentemente jogado e cujo resultado pode mudar a cada momento, de acordo com os cursos passados, presentes e esperados dos conjuntos de ações praticadas por seus participantes, o que torna impossível predefinir-se qualquer resultado como “justo” ou “injusto”!


Isto se torna ainda mais relevante quando consideramos o conceito, importado da Teoria dos Jogos, de jogador dominante, aquele que, por suas características, determina a forma de jogar – a estratégia e a tática – de toda a equipe. No caso da fixação de qualquer preço, este jogador é o governo, vale dizer, os políticos e burocratas sentados nas cadeiras estofadas de seus gabinetes em Brasília. O salário mínimo equivale à fixação de um preço mínimo, no caso, o preço do trabalho e jamais serviu ou servirá para “proteger” qualquer trabalhador, especialmente aquele que está desempregado. Como em qualquer caso de fixação de preços mínimos, o resultado é um excesso de oferta sobre a demanda de mão de obra. Traduzindo do economês para o português: desemprego. Mas é de uma utilidade eleitoral elevadíssima, fato percebido desde o início do século passado pelos partidos de esquerda, que tomaram para si que tal ideia de “justiça” seria exclusividade sua, deles – os “defensores perpétuos dos trabalhadores” -, bem como foi compreendido pelos demagogos de todos os matizes ideológicos.

Em um país em que os encargos trabalhistas dobram o valor pago pelos empregadores por cada funcionário, estabelecer salários mínimos é o mesmo que impedir inúmeros empregos formais e, logicamente, estimular a informalidade. A nova lei que está em votação e que pretende obrigar patrões a pagarem horas extras a empregadas domésticas que dormirem em suas casas (a dos patrões), bem como às que trabalharem em fins de semanas, vai causar, caso aprovada, brutal desemprego e encarecimento não menos brutal deste tipo de mão de obra não qualificada, exatamente os efeitos opostos àqueles pretendidos pelos demagogos ignorantes em economia que inventaram tal aberração…

Chega ao espantoso percentual de 103% o total de encargos que incidem sobre a contratação de mão de obra, com carteira de trabalho assinada, no Brasil.

Isto significa que um trabalhador que ganhe o salário mínimo atual, de R$ 625, custa, para o seu empregador, R$ 625 vezes 2,03, o que dá R$ 1.268,75, que é igual a R$ 625 mais os encargos trabalhistas de R$ 643,75.

Caso um maná de bom senso caísse sobre as cabeças de nossos legisladores e formuladores de “políticas” e os fizesse reduzir os encargos trabalhistas e tributários para, suponhamos, a metade (o que ainda seria muito, dada a quase absoluta existência de retorno desses gastos para os trabalhadores), o custo desses gravames para o patrão cairia para R$ 321,87, ou seja, cerca de 0,25 do custo total de contratação de um trabalhador, sob a descomunal cunha trabalhista vigente e o custo total de cada trabalhador desceria para R$ 946,87.

Em outras palavras, um empregador que gaste, hoje, mensalmente, suponhamos, R$ 12.680,75 com dez trabalhadores que ganham salário mínimo, pelo mesmo valor poderia empregar, caso o bem-aventurado maná chovesse do alto, 13,4 empregados ou – como não se podem cortar pessoas em fatias como fazia Jack, o Estripador – 13 funcionários e mais um décimo quarto em tempo parcial! Crescimento acima de 30% no número de pessoas empregadas formais que ganham salário mínimo! Outra alternativa, caso o empregador não precisasse empregar mais pessoas, seria aumentar o salário de seus dez funcionários de R$ 625 para R$ 946,87; ele permaneceria na mesma situação, seus dez empregados melhorariam e o governo perderia – o que, sempre e em qualquer circunstância, é bom!

Sob o ponto de vista econômico, a fixação de qualquer preço em um valor estabelecido pelo Estado é uma rematada estupidez (não quero empregar outro termo menos pesado ou agressivo). Mises, lá pelos anos 20 e 30 do século passado e, portanto, há 90, há 100 anos, já alertava que o salário mínimo só serve para gerar desemprego e informalidade. E até hoje tenho que escrever sobre o mesmo tema! Cansa. Muito. Dá vontade de parar de escrever, ligar o som e ouvir meu melhor calmante, o disco solo de Bill Evans, Alone Again …

Mas vou aguentar mais um pouco para lembrar que essas atitudes são em tudo semelhantes à do técnico ou à do presidente do clube, os dois “malucos”: eleger um placar antes do jogo é tolice idêntica à de afirmar a priorique um determinado preço ou salário é “justo” ou “injusto”, bem como se ele deve ser regional ou nacional. São atitudes que denotam, no primeiro caso, desconhecimento de futebol e, no segundo, de assuntos econômicos!

Como já provocava o Prof. Mises, a própria aceitação do conceito de salário mínimo já seria indício de ignorância máxima… É impossível estabelecer-se qualquer número mágico como sendo “o justo”.


E, quanto à regionalização, não há lógica que nos diga que um trabalhador de um vinhedo em Bento Gonçalves deva ganhar o mesmo que outro de uma fazenda de soja em Dourados, no Mato Grosso do Sul! Salários (mínimos ou não) só podem ser chamados de salários quando são negociados dentro de cada empresa, que é onde se sabe onde estão os calos e onde eles doem!

Politizar o salário mínimo encobre algo pior do que desconhecer economia: demagogia, aquela arte de tentar iludir o povo com o intuito de obter-se votos… Uma coisa é dizer que os salários reais no Brasil são baixos, o que é verdade, porque nosso capital humano deixa muito a desejar e porque o capital físico é também escasso, ambos esses fatores reduzindo a produtividade do trabalho e, portanto, os salários; outra é pretender fixá-los na marra, por “leis”. Estadistas de verdade lutariam, primeiro, pela extirpação dos encargos trabalhistas, que oneram o custo de mão de obra e perpetuam o desemprego; segundo, por boas políticas educacionais e de saúde (embora eu seja contra o Estado cuidar diretamente desses assuntos), que elevariam a produtividade dos trabalhadores e, portanto, os salários; terceiro, para estimular a poupança, para que surjam investimentos, aumente o estoque de capital e assim também suba a produtividade do trabalho; quarto, por um sistema tributário bem menos voraz, que estimularia empregos; quinto, pela desregulamentação das relações econômicas e sexto, respeitariam a ética e a dignidade da pessoa humana, algo que, sinceramente, desconhecem.

O conceito de salário mínimo é, por definição, uma excrescência a ser definitivamente eliminada; quando a essa anomalia econômica se soma o jurássico Estado que conhecemos e a ambos, desafortunadamente, se adiciona o populismo no melhor estilo latino-americano, podemos afirmar categoricamente o que cantava, nos primórdios da Bossa Nova, o extraordinário pianista e cantor brasileiro Dick Farney: “Não tem solução”.  Ou o Brasil fulmina o Estado Babá ou esse monstro acaba com o Brasil.

Mas é fácil entendermos porque essas simples propostas de cunho prático estão condenadas a permanecer sabe-se lá quantos anos ainda nas gavetas de nossos sonhos. É simplesmente porque estava corretíssimo o poeta Juvenal: quem não sabe mentir quer distância de Brasília…

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