AS RELAÇÕES PERIGOSAS ENTRE POLÍTICA E ESPETÁCULO

 Elisa Marconi e Francisco Bicudo

 29/05/2009

Quando anunciou publicamente sua doença (um linfoma, câncer que se manifesta por conta de alterações encontradas nos linfócitos, que são as células associadas à defesa do organismo), a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, foi também enfática ao afirmar que não permitiria que seu tratamento fosse espetacularizado pela mídia. A mensagem de Dilma era explícita: sua vida privada deve ser preservada. E o que se espera da mídia é que consiga tratar o caso com responsabilidade e serenidade, sem escorregar nas disputas partidárias – e sem transformá-lo também em mais um folhetim ou novela com tons de dramalhão ou enfoques sensacionalistas.

Para Alberto Diniz, em artigo veiculado pelo site do Observatório da Imprensa de 27 de abril, esse “é também um novo desafio a ser enfrentado por nossa mídia, que ainda não encontrou maneira de equilibrar seu inalienável compromisso de ser veraz e manter a sociedade informada com o imperioso dever de tratar com humanidade e delicadeza aqueles que enfrentam situações pessoais dolorosas”. Separar a política da lógica do espetáculo e do entretenimento, aliás, tem sido tarefa cada vez mais difícil. Nas sociedades contemporâneas, a imagem e as representações superam o debate de ideias. Afinal, “para acontecer, se fazer presente, a política precisa aparecer na mídia”, avalia Luis Mauro Sá Martino, professor da Faculdade Cásper Líbero e autor dos livros Mídia e Poder Simbólico e Estética da Comunicação, entre outros. “O político vira celebridade”, completa o pesquisador. Em entrevista exclusiva ao site do SINPRO-SP, Martino volta à Grécia para explicar as origens dessa relação e diz que a política de certa forma sempre foi marcada por um componente afetivo. “O problema não é a emoção, mas o espetáculo”, reforça. Os melhores trecho da conversa você confere a seguir.

Entrevista com o Prof. Luis Mauro Sá Martino


Como se dá esse encontro entre espetáculo e política e quais são as marcas principais dessa relação?

A política sempre esteve ligada ao entretenimento, de forma mais ou menos intensa. Já na Grécia Antiga, a democracia tinha como uma de suas características principais o uso da retórica, a oratória, o falar bem para convencer alguém sobre o valor e a importância de nossas ideias. Portanto, lá atrás, já andavam juntos. A democracia nasceu em contato com essa perspectiva de entretenimento. Claro que era uma situação que nem de longe se aproxima do cenário que conhecemos contemporaneamente, quando é praticamente impossivel que algo público aconteça fora dos domínios da mídia. Para acontecer, se fazer presente, a política precisa aparecer na mídia. E uma das consequências é que o partido e o candidato, para conseguirem chegar ao eleitor e à mídia, vão se curvar à lógica do entretenimento, justamente para que possam atingir o maior número de pessoas. O problema é que, por definição, o entretenimento não é sério, e acaba conquistando legitimidade e força de que não dispunha. E a política, que por definição é séria, pode perder esse caráter.

E quando a política deixa de lidar com esse caráter de seriedade e legitimidade, quais são as consequências?


Você muda a essência da política, justamente sustentada por essa perspectiva de visão crítica, de reflexão. O político vira celebridade. Para onde vai o conteúdo ideológico? Essa é a questão. Para obedecer ao espetáculo, o discurso político deve ser simplificado, pois não consigo transmitir ideias complexas na mídia se não for de forma agradável e interessante. Essa lógica acaba simplificando os acontecimentos. O debate de ideias é substituído pela discussão sobre o caráter e o comportamento das pessoas. Mas e o conteúdo que define a tomada de decisões de natureza coletiva e pública? Fica certamente prejudicado.

O espetáculo torna o debate político conservador e moralista?


Pode ser. Mas eu diria que essa situação depende da cultura e das tradições de cada país. Se um candidato no Brasil for flagrado traindo a mulher, vai existir reação, mas dificilmente ele teria de abandonar a disputa eleitoral. Em outros, como os Estados Unidos, apenas para usar um exemplo, provavelmente seria obrigado a renunciar, pois nesse caso não haveria muita separação entre a dimensão da vida privada e o viés público. Certamente o que acontece, por conta do espetáculo, é que a política acaba caindo no denuncismo, no escândalo. É o tipo de evento que cabe muito bem na mídia. Se um deputado conseguiu recursos para aplicar em uma comunidade carente no Nordeste, essa notícia não vai provavelmente alcançar grande repercussão pública. Mas se for algo ligado à corrupção, rapidamente se transformará em manchete dos principais jornais e programas televisivos.

E quais são as possíveis explicações para esse cenário, ou seja, por que o espetáculo contamina de forma tão avassaladora a esfera da política?


São vários fatores, acho que não podemos só culpar a mídia, ou a política, ou o sistema capitalista. É mais complexo. Certamente precisamos considerar que os meios de comunicação são empresas, com um produto a vender. Do outro lado, a política precisa ganhar espaço na mídia. Todo político quer aparecer no Jornal Nacional ou na Folha de São Paulo, de preferência na edição de domingo. É preciso lembrar ainda que os veículos de comunicação não funcionam à toa, são também movidos não apenas por interesses comerciais, mas também políticos. Todos esses fatores conjugados fazem com que a política passe a ser tratada pela mídia a partir da lógica da diversão, do espetáculo e do entretenimento. Agora, é preciso também fazer ressalvas, não generalizar. Há espaços e veículos sérios na mídia. E políticos que se recusam a participar dessa lógica.

A televisão, que o sociólogo Octavio Ianni chamava de “príncipe eletrônico”, é a principal incentivadora dessa relação?


Mais do que a televisão, a imagem é ainda o fator central da sociedade contemporânea. Não é possível entender a política sem considerar as imagens, e portanto a TV. Não é por acaso que muitos acordos e coligações partidárias são estabelecidos em função do tempo de exibição que os partidos terão no horário eleitoral gratuito.

E os candidatos se tornam então celebridades. Daí é possível explicar a chegada cada vez mais intensa de atores, cantores, comunicadores populares e esportistas ao Congresso, às Assembleias e Câmaras de Vereadores?


Exatamente. Nesse sentido, como falamos da política como espetáculo, estes são sujeitos privilegiados, pois já estão acostumados, já sabem como lidar com esse esquema todo. Personalidades como Clodovil, Frank Aguiar não precisam se tornar conhecidos. Outros, que precisam usar o potencial da mídia, precisam aprender a se relacionar com ela. As celebridades já dispõem desse capital artístico, a ser convertido em capital político.

O candidato se transforma em um produto? É mais importante parecer palatável e simpático do que apresentar boas ideias?


A imagem é uma categoria fundamental para entender o mundo contemporâneo. E a imagem convence das suas competências, pois é mais rápida, eficaz, facilmente absorvida pela população. Você só vai conhecer de fato os políticos por meio da imagem. O próprio Eneas ficou conhecido justamente a partir da maneira que idealizou para lidar com a mídia. Criou um estilo, gestos, vozes, de certa forma incorporando um personagem. E foi um dos deputados mais votados da história do Brasil.

Nesse sentido, não há candidatura ou imagem que se sustente sem o marketing político?


Sem o marketing, o político não chega a ser conhecido. Pode até ter as melhores ideias, mas a questão é a seguinte: como fazer para a população votar em mim? Se eu fizer um discurso, as pessoas vão dormir. É preciso portanto sistematizar linguagem e aparência agradáveis o suficiente para que me conheçam e concordem com minhas propostas. O marketing político será certamente um dos catalizadores dessas ideias, pois vai colocá-las e apresentá-las de maneira mais palatável e acessível, mais tranquila.

Mas a espetacularização da política não é um fenômeno exclusivamente brasileiro…


Não. De alguma forma, mais ou menos intensa, diria que pode ser encontrado em todos os países. Essa convergência representa um fenômeno mundial. Não se valoriza o debate de ideias, mas a consagração de imagens e de produtos midiáticos. A recente campanha norte-americana para a presidência por exemplo revelou um Obama com muito mais domínio de mídia do que o John McCain. Na Inglaterra, o Tony Blair é outro político com muita habilidade e competência para usar os meios de comunicação. O mesmo pode ser dito do prefeito de Londres, Boris Johnson, que inclusive tem origens no jornalismo. E aí você confirma que o marketing político e o espetáculo não veem ideologias, transitam para além da convicções políticas e das ideias e dos programas, pois o Blair pertence ao Partido Trabalhista, de esquerda, e o Johnson é conservador.

Quais são os riscos e perigos envolvidos nesse cenário? Para onde a política espetacularizada pode nos conduzir?


Não sei. Não sei. É muito difícil fazer esse exercício reflexivo, tentar apontar o que pode vir a acontecer. Há certamente uma simplificação. Por outro lado, a política nunca foi tão presente na vida cotidiana da população. Se não aparecessem nos grandes veículos de comunicação, provavelmente não conheceríamos muitos dos temas e acontecimentos que hoje alcançaram a esfera pública. É muito difícil separar. É uma relação dialética.

Mas esse chegar à esfera pública obedecendo à lógica do espetáculo não faz com que as pessoas ajam movidas muito mais por meio dos impulsos e dos instintos do que ajuda a incentivar reflexões?


Na política, vamos sempre reagir emocionalmente. Ela não é apenas racionalidade. Ao contrário. O apelo é muito mais emocional. Nos Estados Unidos, por exemplo, não sei quantas das pessoas mais bem informadas e formadoras de opinião sabem ao certo quais são as propostas e os projetos do governo Obama. Mas votaram nele porque o slogan “Yes, we can” é irresistível. Pegou as pessoas pela coração. Não decidimos apenas racionalmente. Desde a Grécia, como disse, há um componente afetivo muito grande.

O senhor destaca que a emoção faz parte da política. No entanto, os exageros e a espetacularização exacerbada, quando a dimensão da racionalidade é praticamente anulada, não podem nos conduzir a cenários autoritários, como o nazismo, por exemplo? Não foi também por conta da teatralização da arena política, do uso apelativo dos meios de comunicação que Hitler conseguiu colocar em prática seu projeto de poder?

 
A emotividade, creio, é um dos fatores mais importantes da política. Em casos extremos, como o nazismo, ela é um dos elementos responsáveis pela ascensão política deles ao poder. Vale destacar que não foi o único. Se a manipulação ideológica fosse suficiente, não haveria polícia secreta para prender os cidadãos. Há um outro elemento a destacar: quando se trata de emoção, a lógica da política é a mesma lógica do futebol ou do torcedor, isto é, o que interessa é apenas o calor do momento, o envolvimento. O resto é deixado de lado. E, às vezes, quando as pessoas lembram, já é tarde.

Na política, mover-se então pela emoção nem sempre é ruim ou negativo?

A emoção está tão misturada com a política, não dá para separar. Daria para ter uma política exclusivamente racional? Não sei. Emoção, reforço, é um atributo embutido na política. Creio que a gente deva ter cuidado para não cair em um modelo rígido, pois a realidade é bem mais complexa. Não dá para compartimentar em duas ou três caixinhas estanques, separadas, algo como “aqui vai razão”, “lá fica a emoção”. O perigo não é a emoção, mas o espetáculo. Os problemas acontecem quando somos bombardeados por imagens, ficamos anestesiados e deixamos completamente de discutir idéias, quando paramos de fazer o contraponto. Esse é o perigo.

Fonte: Boletin do Sinpro-SP

Ano VII – nº 305 – 29.05.2009

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