BERTOLD BRECHT E A COMPAIXÃO MARXISTA

Valter de Oliveira

No dia 11 p.p. um antigo colega meu de universidade e amigo meu aqui no FB postou um poema de Bertold Brecht. Ele o introduziu escrevendo: “Brecht não só continua atual como ganhou ainda mais intensidade na insensível realidade atual”.

Poema bem adequado para os dias atuais.

“Quanto mais numerosos os que sofrem, mais naturais parecem seus sofrimentos, portanto. Quem deseja impedir que se molhem os peixes do mar?

Bertold Brecht

E os sofredores mesmos partilham dessa dureza contra si e deixam que lhes falte bondade entre si.

É terrível que o homem se resigne tão facilmente com o existente, não só com as dores alheias, mas também com as suas próprias.

Todos os que meditaram sobre o mau estado das coisas recusam-se a apelar à compaixão de uns por outros. Mas a compaixão dos oprimidos pelos oprimidos é indispensável.

Ela é a esperança do mundo”

(BRECHT) (1)

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COMENTO:

Nada a objetar contra a maior parte do poema de Brecht. O homem se acostuma com sofrimentos e misérias. Se ele se choca com certas coisas, em um primeiro momento, depois se acostuma. Seu coração se endurece.

Uma coisa foram os primeiros dias da Guerra da Rússia contra a Ucrânia. Outra é nossa reação 3 ou 4 meses depois.

Outro dia 50 cristãos foram assassinados em uma Igreja na Nigéria. O mundo não se comoveu. Não houve compaixão.

As explicações são as mais variadas. A mais real é a natureza do homem atingido pelo pecado original.

Naturalmente tal explicação nada significa para quem não tem fé.

Por outro lado, lembremos que os revolucionários têm “compaixões” selecionadas. Pode ser o horrível assassinato de Marielle  ou o desaparecimento de um jornalista e de um indigenista na Amazônia.

Aí o problema real chama-se manipulação. Nela o mais importante não são as vítimas e sim, a causa.

Já o texto de Brecht aponta para uma verdade inquestionável. Deixamos de sentir compaixão quando deveríamos senti-la.

Para o cristão devemos sentir compaixão por todos os que sofrem. Ainda que possamos graduá-la  para que seja possível viver.

É preciso também amar o próximo como a nós mesmos, por amor a Deus. Não é um conselho. É um mandamento, e inclui até eventuais inimigos. Lembrando,  como ensina S. Tomás, que há sempre alguém mais próximo de nós do que outros.

Não é natural sentirmos a morte de alguém bem longe de nós, na África, na Ásia, nos rincões do Brasil, como se morresse um de nossos filhos. Isso é compreensível. O que não é aceitável é o esquecimento.

O que não é compreensível é que por egoísmo, comodismo ou qualquer outra miséria deixemos de nos importar por quem sofre. Muitas vezes brutalmente.

Brutalidade da guerra ou das condições sociais nos quais milhões vivem e não nos incomodam. Mais ainda, em nada nos movem. Como dizem os santos: defeito de uma vida aburguesada.

A compaixão pelas misérias e dores de cada ser humano deve estar sempre presente em nossa alma. Não só no sentido último citado por Brecht. A verdadeira compaixão engloba todos os seres humanos. Não só os oprimidos. Não é uma questão de classe social. Vale para a família imperial russa assassinada por ordem de Lenin e para um pobre índio queimado por adolescentes criminosos em nosso Brasil.  

A frase de Brecht, bebida como néctar pelas diferentes correntes marxistas, explica muita coisa. Ela nos faz entender porque o revolucionário lança torrentes de lágrimas pela pobreza nos países capitalistas e não lança uma lágrima pelas diferentes formas de miséria provocadas por governos socialistas e socializantes.

Tampouco chora por antigos companheiros que os dirigentes de plantão declararam inimigos do povo e que foram barbaramente assassinados. Aí não  pode haver compaixão. Simplesmente porque ousaram se opor à “verdade” revolucionária.

Aliás, não conheço críticas de Brecht aos crimes de Stalin. Alguém sabe me dizer se ele escreveu algum poema lamentando o holocausto dos kulaks? (2)

Deus nos livre da compaixão revolucionária!

Notas:

  1. Os destaques em negrito são do olivereduc.
  2. Kulaks eram camponeses mais abastados, que tinham trabalhadores em suas propriedades. Acusados de fazerem oposição ao governo soviético foram brutalmente eliminados por Stalin.

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