ISRAEL, UMA ENCRUZILHADA HISTÓRICA

Não há segurança que se construa sobre ruínas, fome, desespero e ausência de esperança

Eduardo Wurzmann

Thomas Friedman costuma dizer que há três verdades fundamentais sobre Israel que nunca podem ser esquecidas: 1) Israel é um país extraordinário, que fez e faz coisas maravilhosas; 2) Israel também fez e faz coisas muito erradas; e 3) Israel está numa das vizinhanças mais complexas, violentas e instáveis do planeta, onde muitos fazem coisas terríveis – uns contra os outros e, frequentemente, contra Israel.

Olhar a realidade a partir desse tripé é essencial para compreender este momento absolutamente singular.

O Oriente Médio vive hoje uma reconfiguração histórica. Hezbollah foi abalado como nunca. O Irã revelou vulnerabilidades que pareciam impensáveis. O Hamas, como força militar, praticamente deixou de existir. E, talvez o mais surpreendente, o regime de Bashar al-Assad caiu. Um novo governo, liderado por Ahmed al-Julani, assume a Síria, abrindo um cenário completamente novo – que pode significar tanto a possibilidade de acordos e estabilidade quanto a continuidade do conflito, sob novas formas e lideranças.

Nunca o tabuleiro regional esteve tão aberto. Nunca houve uma oportunidade tão concreta para uma reorganização que, se bem conduzida, pode transformar décadas de confronto numa nova arquitetura de segurança – e, talvez, de paz.

Binyamin Netanyahu

No entanto, Israel não está liderando esse processo. Está, ao contrário, paralisado, preso a uma crise interna, sequestrado pelos interesses pessoais de Binyamin Netanyahu, que colocou sua própria sobrevivência política acima dos interesses estratégicos do país. Ele sabe que qualquer gesto sério em direção a uma negociação – seja com a Autoridade Palestina, com os países árabes ou com possíveis lideranças moderadas em Gaza – significará o colapso imediato de seu governo.

O atual governo de Israel não é apenas disfuncional. É perigosamente destrutivo. Para Israel, para seus cidadãos, para sua democracia e para toda a região. Alimenta divisões internas, enfraquece alianças históricas e projeta uma imagem profundamente tóxica do país no cenário internacional.

É indispensável afirmar, sem qualquer ambiguidade: a população palestina também é vítima dessa tragédia. Assim como Israel sofreu uma atrocidade indescritível no 7 de Outubro, é impossível ignorar a dor, o sofrimento e a destruição que hoje recaem sobre os civis de Gaza. São milhares de mortos, dezenas de milhares de feridos, milhões de deslocados, vivendo uma catástrofe humanitária de proporções devastadoras.

Esse sofrimento não é apenas consequência da brutalidade do Hamas, que sequestrou sua própria população e a utiliza como escudo humano. É também consequência direta de escolhas políticas e militares do atual governo de Israel, que precisa entender, com urgência, que não há segurança que se construa sobre ruínas, fome, desespero e ausência de esperança.

Israel precisa compreender – profunda e honestamente – que sua segurança de longo prazo depende, inexoravelmente, do reconhecimento da dignidade, dos direitos e da esperança do povo palestino. Derrotar o Hamas não pode e não deve significar punir coletivamente 2 milhões de civis que são, eles também, reféns deste ciclo de violência.

Há mais uma lição fundamental que o 7 de Outubro deixou de forma brutalmente clara: o destino de Israel e das comunidades judaicas da diáspora estão mais entrelaçados do que nunca. O que acontece em Israel repercute diretamente na segurança, na imagem e na vida das comunidades judaicas em todo o mundo. E, da mesma forma, o apoio, a solidariedade e o engajamento da diáspora são partes essenciais da própria resiliência de Israel. Essa conexão nunca foi tão evidente, nem tão inescapável.

Ninguém – nem no governo, nem nas Forças de Defesa, nem na sociedade israelense – tem hoje uma proposta clara para o dia seguinte. Nem para Gaza, nem para a Cisjordânia, nem para a nova Síria. Mas há um consenso crescente na sociedade israelense: os reféns precisam voltar, e esta guerra, nesse formato, precisa acabar.

Os últimos 70 dias, desde o fim do último cessar-fogo, foram os mais sombrios. Os ganhos militares foram mínimos diante dos custos humanos, diplomáticos e estratégicos. Sobretudo, porque está absolutamente claro que não há solução militar para a libertação dos reféns.

Por isso, nossas críticas precisam ser feitas com responsabilidade, coragem e humanidade. Criticar Israel – especialmente este governo – não é apenas legítimo, é necessário. É um ato de compromisso com Israel e com seus valores mais essenciais. Mas essas críticas devem ser feitas de forma rigorosa, honesta e consistente, para não serem cooptadas por aqueles que jamais levantam a voz diante de massacres promovidos por outras potências – sejam drones russos ou iranianos destruindo vidas em Kiev, sejam os próprios atores regionais perpetuando violência e autoritarismo em nome de qualquer causa.

Israel é infinitamente maior que Netanyahu. Sua democracia vibrante, sua sociedade criativa e resiliente, sua capacidade única de se reinventar seguem vivas. Mas é hora de exigir uma liderança capaz de olhar além do curto prazo – uma liderança que compreenda, com clareza, que nenhuma vitória militar será real se não abrir caminho para um futuro em que israelenses e palestinos possam, finalmente, viver em segurança, dignidade e paz.

Eduardo Wurzmann

É vice-presidente do Instituto Brasil-Israel

O vídeo é um pouco longo, mas muito interessante. Conta a história desse povo sofrido por tantas guerras. Esse pequeno trecho de terra tem muita história para contar. Se o ser humano não mudar seu modo de agir a paz será sempre uma utopia.
  1. Nota do olivereduc

Há tempos pensei em escrever algo sobre a Guerra entre Israel e o Hesbollah. Tarefa difícil, espinhosa, que facilmente poderia causar suscetibilidades de ambos os lados. Daí o meu silêncio sobre o assunto.

Nesta semana fiquei ciente do artigo acima ao ler um comentário de meu amigo Marcelo Guterman no FB. Ele é um forte defensor da causa israelense. Defende muito bem a causa de seu povo. Para ser mais preciso e eficaz, como escritor político e econômico estudioso e sério, fez uma grande pesquisa sobre as guerras árabe-israelenses e as publicou em seu blog. Vale a pena conferir.

O artigo de Eduardo Wurzmann coincide, em grande parte com o que penso. Algumas observações adicionais vou colocar em artigo meu sobre o assunto. Ainda nesta semana. Grato pela atenção.

Segue o link do blog do Marcelo.

  • Segue opinião de Guterman sobre o artigo no Estadão:

Este artigo do vice-presidente do Instituto Brasil-Israel é muito bom. Não pelo que está escrito, que é, em geral, correto, mas por, inadvertidamente, escancarar o eterno dilema das democracias: como lutar contra regimes que não respeitam as regras mínimas da civilização.

São muitos os artigos, como este, criticando o governo israelense por não estar construindo algo em direção a um acordo de paz. No entanto, sinto falta de artigos das comunidades libanesa, síria, iraniana, cobrando de seus governos o reconhecimento do direito de Israel existir. Este é o passo fundamental, e qualquer conversação de paz deve partir desse pressuposto. Cobrar do governo israelense a iniciativa ignora este ponto fundamental, e tem como base somente o fato de Israel ser uma democracia e, portanto, supostamente se pautar por princípios civilizatórios, e isto, por si só, fosse condição suficiente para qualquer acordo de paz. Como se todos os atores do drama se pautassem pelas mesmas regras.

Há uma ilusão corrente de que o problema fundamental está no atual governo de Israel. No entanto, são já 78 anos de guerra árabe-israelense, e o primeiro primeiro-ministro conservador, Menahen Begin, tomou posso em Israel mais de 30 anos após a independência. Desses 78 anos, Netanyahu está no poder há pouco mais de 10 anos, com alguns intervalos. O atual primeiro-ministro não é flor que se cheire, disso não temos dúvidas. Mas achar que a sua substituição será o caminho para a paz sem que haja uma mudança de postura fundamental dos países árabes não passa de uma ilusão.

Estadão. Opinião. 30/05/2025

Fonte: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/israel-uma-encruzilhada-historica/?srsltid=AfmBOooxUd5PMGLveIPV3cML2vkbtXKZmZZGktcu2CBu3Npb3NAW2pZy

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