AS VIRTUDES CARDEAIS E A ARTE DE GOVERNAR CATÓLICA

Andrew Lathan

Uma reflexão católica sobre a arte de governar

O mundo em que vivemos está se afastando rapidamente do momento unipolar dos últimos trinta anos (em que os Estados Unidos eram a potência dominante após a queda da União Soviética) em direção a um sistema internacional multipolar, no qual a competição entre grandes potências se tornará cada vez mais intensa e perigosa entre nações como a Rússia e a China. O passado dos Estados Unidos está repleto de exemplos de superextensão por meio de intervenções tolas, formulação de políticas míopes ou reativas, ou cruzadas ideológicas quixotescas que produziram pouco além de confusão e exaustão estratégicas. Em tal sistema, os Estados Unidos precisarão de uma grande estratégia baseada não em considerações táticas e efêmeras de liderança no momento, mas sim em uma base mais profunda e estável. Felizmente, essa base existe. As quatro virtudes cardeais – prudência, justiça, fortaleza e temperança – no cerne do pensamento político católico, são exatamente essa base. Elas fornecem uma base sólida e viável para uma grande estratégia que permitirá aos Estados Unidos interagir com outras grandes potências em termos razoáveis, promover seus interesses vitais, evitando os perigos estratégicos da expansão excessiva, e até mesmo exercer o poder americano de uma forma que garanta seu papel de liderança no mundo. (Estou escrevendo dos Estados Unidos, mas o que digo aqui pode ser aplicado a leitores de todas as nações.)

Prudência: Ver o mundo como ele realmente é

Prudência não é uma virtude para covardes. Não é o amor ao status quo. A prudência é o ponto de partida para toda grande estratégia bem-sucedida, porque é a primeira das virtudes cardeais. É a base para ações sábias em um mundo multipolar complexo e em rápida transformação, particularmente para uma grande potência como os Estados Unidos, onde as recompensas do poder são tão grandes e a tentação de intervir tão forte.

Prudência não é timidez. É uma virtude, porque se trata de julgamento — da capacidade de ver o mundo como ele realmente é e agir com base nessa realidade. Prudência é saber o que é possível e o que é necessário, e ter a coragem de fazer o último e recusar o primeiro. É deixar de lado a ambição pessoal e calcular o que melhor promoverá os interesses do Estado, mesmo que esses interesses não correspondam aos nossos próprios desejos.

Aquino foi claro neste ponto. A prudência é a virtude que nos permite discernir o certo do errado em cada caso individual, escolher o melhor curso de ação com base em nossa situação particular e agir de acordo. Para Agostinho, é a capacidade de agir com sabedoria e justiça, de ver o mundo como ele é e não como gostaríamos que fosse.

Tanto Agostinho quanto Tomás de Aquino viam as virtudes cardeais como essenciais para uma vida boa, tanto para indivíduos quanto para Estados. Para Agostinho, em particular, elas eram centrais para a capacidade de governar com sabedoria. Sem prudência, as outras virtudes não têm sentido. Sem prudência, um Estado virtuoso seria destruído.

Os Estados Unidos precisam de uma grande estratégia baseada nas virtudes cardeais, e ela começa com a prudência. Os últimos vinte anos da política externa americana são uma longa acusação de imprudência. No Iraque, agimos de forma precipitada e permanecemos tempo demais no Afeganistão. Na Líbia, depusemos um ditador de forma imprudente e não fizemos nada para estabilizar o país, na crença ilusória de que, de alguma forma, estávamos defendendo a “ordem internacional baseada em regras”. O resultado é um mundo que não reconhecemos: caos, conflitos intermináveis ​​e os EUA do lado errado da história.

Prudência é dar um passo para trás e perguntar: isso é realmente necessário? É a melhor linha de ação? Qual é o preço que estamos dispostos a pagar, tanto em sangue quanto em dinheiro? Uma grande estratégia baseada na prudência não é de recuo ou abdicação, mas de contenção. Trata-se de fazer escolhas difíceis entre o essencial e o periférico e ter a disciplina de dizer “não” quando, de outra forma, poderíamos ser tentados a agir. Trata-se de compreender que nem toda crise no mundo exige uma resposta americana e nem todo conflito é do interesse nacional dos EUA. As virtudes cardeais não são para covardes. Mas também não são para cruzados excessivos.

Justiça: a vontade de resistir à tentação de governar o mundo

Na era pós-Guerra Fria, a tentação de dominar o mundo foi irresistível. Os Estados Unidos se tornaram a polícia do mundo, intervindo em conflitos e crises ao redor do globo. O resultado foi um desastre, com as forças americanas se envolvendo em guerras intermináveis ​​e retaliações. Mas, mesmo que nos afastemos dos erros das últimas duas décadas, a justiça não é apenas mais uma virtude — é a primeira e mais importante. A justiça é a virtude cardinal que exige que demos a cada nação o que lhe é devido. É a vontade de resistir à tentação de dominar o mundo.

A justiça também é a primeira virtude de uma grande estratégia, pois é a virtude que rege nossas relações com outros Estados, particularmente com outras grandes potências. Em um mundo com múltiplas grandes potências, a justiça é a primeira virtude, pois exige que respeitemos a soberania de outros Estados e reconheçamos seu direito de tomar suas próprias decisões.

Na política externa americana, a justiça é frequentemente vista como uma reflexão tardia conveniente. Temos a tendência de dizer o que faremos depois do fato, de justificar nossas ações depois que elas já foram tomadas. Em vez disso, trata-se de dar a cada nação o que lhe é devido. Isso significa respeitar a soberania de outros Estados e não usá-los como meros instrumentos para atingir nossos próprios fins.

A tradição da guerra justa, que a Igreja Católica transmitiu ao mundo, baseia-se no reconhecimento de que a guerra é sempre uma tragédia moral. Agostinho e Tomás de Aquino viam a guerra como um mal necessário, algo que deve ser travado com moderação e prudência. Mas também viam que deve haver limites, limites reais. A guerra não é a resposta para todos os problemas, e a justiça não se resume ao uso da força.

Justiça também significa reconhecer que os Estados Unidos não têm o direito nem o dever de consertar o mundo. Não temos autoridade moral para intervir nos assuntos de outras nações e não devemos agir como se tivéssemos.

Fortaleza: Coragem sem vício em ação

O Ocidente moderno, e a Ala Oeste em particular, é viciado em ação. Muitas vezes, em Washington, não fazer nada é equiparado a ser indeciso, fraco ou irrelevante. Mas, na realidade, não fazer nada às vezes é a escolha mais corajosa e responsável que uma grande potência pode fazer. A verdadeira coragem, o tipo de que uma grande potência precisa para exercer sua influência com responsabilidade, tem a ver com resistência, não com bravata. É a capacidade de dizer “não” diante da pressão constante para “fazer alguma coisa”.

A fortaleza é a virtude cardinal que lida com a nossa capacidade de agir com coragem diante do medo. É a capacidade de suportar o sofrimento em prol do bem. Para Agostinho, a fortaleza era a chave para resistir à tentação de agir precipitadamente na guerra. É também a virtude que nos permite suportar o sofrimento que advém de agir com moderação.

A coragem também é necessária para uma grande estratégia, pois exige que tenhamos a coragem de agir com moderação, mesmo diante da pressão constante para agir de outra forma. Os Estados Unidos precisam de uma grande estratégia baseada na coragem, que lhes permita exercer seu poder com responsabilidade e não se exceder em um mundo multipolar em rápida transformação. A tentação de agir é sempre forte, especialmente em Washington, onde a inação é vista como um sinal de fraqueza. Mas o fato é que, às vezes, a atitude mais responsável que uma grande potência pode tomar é não fazer nada.

Temperança: a disciplina de dizer “Chega”

Temperança é a virtude cardeal que lida com a nossa capacidade de controlar nossos apetites e desejos. É a capacidade de dizer “não” quando, de outra forma, poderíamos ser tentados a agir de forma precipitada ou indulgente. A temperança é crucial para uma grande estratégia, pois é a virtude que permite a uma grande potência como os Estados Unidos resistir à tentação de se exceder em um mundo multipolar em rápida transformação.

A temperança também é a virtude cardeal que lida com a nossa relação com o poder. É a virtude que nos permite usar o poder com responsabilidade, dizer “basta” quando, de outra forma, poderíamos ser tentados a nos exceder.

Uma estratégia americana digna de um estadista cristão

À medida que os Estados Unidos enfrentam um novo mundo de grandes potências competitivas, a grande estratégia americana precisa se adaptar a essa nova realidade. A nova ordem multipolar desafia a posição e o status dos Estados Unidos com a ascensão da China e da Rússia. As quatro virtudes cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança são a base de uma grande estratégia americana para perseguir os interesses dos Estados Unidos com disciplina. A prudência ajudará os Estados Unidos a discernir seus interesses vitais dos secundários e a se concentrar neles. A fortaleza ajudará os Estados Unidos a defender seus interesses vitais quando outras potências os infringirem. A justiça também ajudará os Estados Unidos a evitar a guerra com outras grandes potências e a buscar políticas que não sejam excessivas nem deficientes. A temperança ajudará os Estados Unidos a evitar uma extensão excessiva de seu poder à medida que ascendem à competição entre grandes potências. Essa grande estratégia não é apenas moral, mas também prática para o novo mundo da competição entre grandes potências, pois disciplinará as ações americanas no exterior.

Sobre o autor: Andrew Latham nasceu na Inglaterra, foi criado no Canadá e atualmente mora nos Estados Unidos. Ele é Ph.D. pela York University em Toronto. Desde 1997, Andrew é membro do Departamento de Ciência Política do Macalester College em Saint Paul, Minnesota, onde leciona regularmente cursos sobre Pensamento Político Medieval, Pensamento Político Conservador, Guerra, Conflito Regional e Segurança Internacional. Suas publicações mais recentes incluem um livro acadêmico intitulado Theorizing Medieval Geopolitics: War and World Order in the Age of the Crusades e The Holy Lance , seu primeiro romance. Além de publicar em uma variedade de periódicos acadêmicos de primeira linha, ele também publicou obras para o público em geral, como First Things, Crisis Magazine, Commonweal, Touchstone e OnePeterFive.

Fonte: https://onepeterfive.com/the-cardinal-virtues-catholic-statecraft/

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