O OLHAR SUPERFICIAL E O OLHAR PROFUNDO

Ari Esteves

Há formas superficiais e profundas de olhar para as realidades do entorno, e isso tem a ver com o modo pessoal de pensar e se relacionar com o mundo. Há quem permaneça apenas nos fragmentos das coisas ao se deixar absorver pela curiosidade que leva a gastar centenas de horas mensais nas redes sociais e internet, malbaratando o tempo que poderia ser utilizado para se aprofundar em algum tema cultural, artístico ou técnico, a fim de compreender o mundo em que vive e assim melhor servir aos demais.

         Desenvolver uma atitude pensante e contemplativa predispõe para chegar ao núcleo dos assuntos e ganhar densidade interior. Aristóteles dizia que pensar é a maior forma de vida, e quem não exerce essa faculdade tem sua humanidade enfraquecida. Muitas ideologias, sistemas políticos, propagandas midiáticas e programas de TV que exploram a vida dos outros, impedem o hábito de pensar porque assim é mais fácil influenciar, controlar e manipular as pessoas.

         Existe uma forma intemperada de olhar que se comporta como a borboleta que pula de flor em flor, detendo-se em algo o tempo mínimo para satisfazer a curiosidade e captar apenas o superficial: esse olhar não busca a profundidade, mas apenas o prazer fugaz de novas e superficiais informações. Tomás de Aquino chamava essa atitude de curiositas, oposta à studiositas ou conhecimento profundo, buscado com o esforço que todo processo sério de aprendizagem traz.

         Ceder à curiosidade de navegar habitualmente sem rumo nas redes sociais e internet desenraiza jovens e adultos de habitar em si mesmos, e lhes torna o espírito errante e inquieto que se manifesta em palavras insensatas, insuficiência na abordagem dos assuntos, perdas do sentido de hierarquia dos afazeres, enfraquecimento da vontade para assumir projetos que exigem esforço, e para fugir desse vazio interior, se valem do mundo da distração das telas. Paradoxalmente ao abandonar a própria interioridade, que é o único lugar onde podem encontrar Aquele que sacia a sede de felicidade que todos temos, tornam realidade em sua vida o que dizia Agostinho de Hipona: “Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado de fora! Eu, disforme, lançava-me sobre as belas formas das tuas criaturas. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti as tuas criaturas, que não existiriam se em ti não existissem”.

         Para o olhar chegar ao núcleo de cada realidade é necessário desenvolver um sereno e detido processo de discernimento para refletir e fugir da pressa do borboleteio: antes de clicar o play a um vídeo ou série, julgar se é verdadeiramente isso que deve ser feito no momento. É certo que todos necessitam de descanso, de se distrair e distender em atividades prazerosas que não exigem esforço, pois o fio de um arco muito esticado pode romper-se. Mas há momentos para descansar a fim de retornar renovados aos trabalhos e responsabilidades. O que não pode ocorrer é refugiar-se no entretenimento do celular quando se deveria trabalhar, pois tal atitude enfraquece a vontade e debilita o caráter. Um olhar que não vive a virtude da temperança é funesto e causa de muitos vícios: torna o caráter superficial e conduz a erros por vezes irreparáveis na apreciação das realidades e nas decisões pessoais. Tal cegueira do espírito impede perceber o que necessitam aqueles que estão ao seu redor, e a singularidade ou o encanto que cada personalidade oferece.

         O olhar que conduz ao pensar profundo é fruto da temperança. As renúncias são decisivas para concentrar as potências internas e externas em projetos que valem a pena. Tal olhar desenvolve a interioridade e descarta o superficial que leva à perda de tempo e ao mau uso da liberdade, e faz descobrir maravilhas inesperadas ao pôr ordem no espírito. Purificar o coração das mil imagens fugazes evita o deixar-se levar pelas aparências e primeiras impressões ou juízos superficiais. Os artistas, poetas, filósofos e as pessoas observadoras descobrem a beleza nas coisas miúdas da vida, sem necessitar de ir em busca do estrondoso ou da insaciável volúpia por novas notícias.

         Viver a temperança no olhar é o que mais capacita cada um para descobrir a beleza da Criação e o aprofundamento na verdade das coisas. É da responsabilidade pessoal fomentar buscar uma formação que enriqueça continuamente a interioridade pessoal e a abertura do espírito aos demais, sacrificando-se por eles. Desenvolver hábitos de reflexão, de escuta, de empatia e de interesse pelo que sucede nos tempos atuais contribui positivamente à solução dos problemas que hoje afetam a tantos. Pais e responsáveis por crianças devem ajudá-las a não se viciarem em telas digitais, que as tornam passivas, preguiçosas e entediadas com a realidade ao seu redor, preferindo viver na irrealidade das imagens. Ajudá-las a ganhar o hábito de ouvir ou ler histórias, brincar com quebra-cabeça, lego, jogos de sala e atividades ao ar livre com outras crianças; partilhar das tarefas do lar para que aprenderem a ser generosas com o seu tempo e se preocupem com os demais.

Fonte: https://www.ariesteves.com.br/2025/02/o-olhar-superficial-e-o-olhar-profundo/

Sobre o autor: Ari Esteves é educadoradvogado e mediador com vasta experiência em comportamento infantil e familiar. Ele dedica-se a promover o desenvolvimento humano por meio de conteúdos educativos e reflexivos, buscando fortalecer valores e virtudes nas relações familiares.

Sonia Rosalia comenta: O tema Olhar sempre chamou minha atenção. Ari Esteves traz, de forma brilhante, a relação entre o Olhar superficial e o Olhar Profundo. O celular, as redes sociais, a internet estão aí e temos que conviver com elas. Isso é um fato que não se pode negar, no entanto, a forma de fazê-lo é que depende totalmente de uma escolha de vida. Eu uso as redes sociais ou elas me usam? Tenho um celular ou o celular é que me tem? Para responder a essas perguntas é só prestar atenção às minhas atitudes quando estou em família ou com amigos. Pensando nas palavras de Ari Esteves, observem com calma as duas últimas imagens do artigo.

Amigos que combinam um encontro, mas, mesmo antes da comida chegar todos estão absortos nas notícias, mensagens, brincadeiras, cada um isolado em seu próprio mundo. Alguns até estão se divertindo, mas a reunião em si perdeu totalmente seu propósito. Será que não há nada que o alegre rapaz de laranja gostaria de saber sobre um de seus amigos? Será que ninguém percebeu que a mocinha de blusa listrada ficou triste repentinamente? Não. Ninguém percebeu porque estava fechado no minúsculo mundo de uma tela. Oito amigos que se encontram e todos com seus pares de olhos voltados para o mundo virtual enquanto o real está bem à frente de cada um. Que pena!

Nessa segunda imagem os amigos são jovens também, como na primeira imagem, mas aqui há uma diferença muito grande entre eles. Todos estão participando da mesma conversa. Riem pelo mesmo motivo. Talvez tenham feito uma brincadeira com o rapaz de camisa azul que parece ser o tema da conversa. A mão do amigo em seu ombro e seu olhar encabulado me sugerem essa possibilidade. Com certeza, foi um comentário legal, pois a mocinha da esquerda levanta o copo em sinal de brindar o que foi falado. A alegria de todos é real e que bom poder partilhar isso com amigos.

O bonito nessa imagem é que o mais importante, nesse momento, é cada pessoa que está ao redor dessa mesa. Se a vida de alguém interessa, nesse caso é a deles. Saber o que se passa com o outro. Olhar para o outro. Rir juntos das mesmas coisas. Aproveitar o momento que eles mesmos combinaram e quiseram que acontecesse.

Sonia Rosalia

Ari Esteves deu um show em seu artigo e nós podemos repensar nossos encontros, caso estejamos usando mais nosso olhar superficial ou manter nossa postura nas reuniões de família ou entre amigos se nosso olhar profundo estiver atento a cada um.

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