Calma, meus amigos. Não estou me referindo ao governo Bolsonaro. Trata-se de um fato ocorrido em 1975, em Anaheim, Califórnia.
Estava nos EUA há poucos meses. Tinha passado um mês em Nova York. Um dia, um velho amigo brasileiro, sugeriu que eu deveria ir para a Califórnia onde iria morar em uma república de estudantes com dois jovens amigos dele. A razão era simples: eu iria viver com quem não falava nem português e nem espanhol, só inglês. Empurrãozinho amigo para fazer com que eu viesse com mais rapidez a ser fluente na língua de Mark Twain.
Lá fui eu. Ajudou, e muito. Ouvia muitas fitas k7, até quando lavava louças. Também me levaram a uma escola pública que oferecia aulas de inglês para estrangeiros. Aulas de segunda a quinta, das 19h às 22h. Mark, um dos americanos acompanhou-me e apresentou-me à secretária da escola. Burocracia zero. Ela não quis ver meu passaporte, nem RG ou conta de telefone…
– Nada?
– Nada.
– Quando posso começar a assistir as aulas? – perguntei ainda incrédulo.
– Agora, disse ela tranquilamente.
E lá fui eu…
Outro fato inusitado: custo zero. Incluindo livros, xerox, caneta e lápis.
Alunos: 50% mexicanos, 49% vietnamitas (os que escaparam nos momentos finais da guerra). Dois brasileiros: eu e uma senhora.
Foi nesse período que meus dois amigos promoveram uma palestra de um advogado argentino, católico e crítico do comunismo, que deveria falar para um público selecionado. Talvez pouco mais de 50 pessoas. Foi excelente. No final veio a grande surpresa.
Todos já haviam se retirado. Como queria mais informações do palestrante aproximei-me de sua mesa. Foi então, que dois homens se aproximaram. Só um falou.
Começou com elogios. Foi ficando animado. Em certo momento, para grande surpresa minha, ele disse:
– Precisamos de homens como o senhor. Precisamos de pessoas que nos ajudem a mudar o país. Estamos preparando uma revolução. Queremos derrubar o governo e colocar no poder… (e apontou para o estranho homem que estava calado a seu lado…)
Em seguida continuou:
– Precisamos de um governo como o argentino, que combata realmente o comunismo a fim de termos um país realmente grande, um país verdadeiramente americano!
Assim mesmo. Descaradamente. Abertamente. Contundente e direto.
Eu observava tudo. E agora? O que o palestrante faria? – Pensava eu.
Veio a resposta esperada, dita de um modo inesperado.
O palestrante olhou firmemente para os dois e disse:
-Vocês querem um governo como o argentino? É mesmo? Sabem o que penso deles? Eles são uns canalhas! (Soou de modo espetacular em inglês: They are rascals!)
E após um instante de silêncio repetiu novamente para que não houvesse dúvidas:
-“They are rascals!”.
Logo em seguida, a conclusão:
-Não tenho nada a conversar com os senhores!
E lá se foram eles. Acabrunhados.
Que banho de água fria!
Quanto a mim, fiquei profundamente entusiasmado. Pensei com os meus botões: pena que não gravei! Um homem de atitude, de valores. Alguém para respeitar.
Passaram-se mais de quarenta anos e ainda continuo ouvindo aquela voz forte e decidida: “They are rascals!”.
Ficou gravado na alma. Até hoje fico comovido quando lembro do rosto e do porte do palestrante. Do nobre tom de sua voz: firme, sonora, impactante.
Passaram-se alguns meses desde aquele encontro. Fomos, eu e quatro amigos, participar de uma formação de jovens em uma fazenda na Pensilvânia.
Revi meus conhecidos de Nova York. Entre eles o amigo que havia me sugerido que me mudasse para a Califórnia. Na primeira oportunidade contei-lhe o episódio dos malucos de Anaheim. Ele sorriu e disse-me:
– Com você também?
– Também te convidaram para derrubar o Carter? Disse eu.
– Não. Algo mais “simples”… Convidaram-me para participar de nova invasão de Cuba. Iríamos derrubar Fidel…
– E o que você disse? Perguntei, curioso.
Meu amigo que não tinha nada de bobo, respondeu:
– É mesmo? E depois de derrubarmos Castro o que faremos?
– A gente vê… responderam sem muita preocupação.
– Como? – Redarguiu ele. Vocês sabem como derrubar um governo ditatorial, têm dinheiro e armas para a invasão, e não sabem como vai ser depois?
A conversa terminou aí. Tais como os malucos de Anaheim também foram embora decepcionados…
Em resumo amigos, há muita gente doida por aí. Naquela época e hoje.
Aqueles eram malfeitores que abriam seus sonhos de pesadelos ditatoriais a quem mal conheciam e que, sequer, planejaram como se manter no governo.
Não sabiam o be-a-bá de Maquiavel.
Posso dizer, com segurança, que quem saiu ganhando fui eu. Conheci uns malucos, é verdade, mas também conheci homens de bem.
Valeu a pena!